Título: Jurong, a ilha artificial que abastece China e Índia
Autor: Vieira , André
Fonte: Valor Econômico, 20/03/2008, Especial, p. A16

Na entrada da ilha de Jurong, várias placas vermelhas exibem uma mensagem aos visitantes. Não é preciso conhecer os idiomas orientais para entender a sinalização: um soldado empunhando uma metralhadora em direção a um invasor com os braços levantados.

Depois de cruzar o setor de identificação, que inclui a checagem do passaporte e revistas na cabine de raio X e no detector de metais, surge à frente um militar armado e com o uniforme de camuflagem. Pronto, você entrou no maior centro de refino de petróleo e de derivados da Ásia - a região de maior crescimento no mundo.

O aparato de segurança foi armado depois dos atentados de 11 de setembro para proteger eventuais ataques terroristas ao arquipélago do sudoeste de Cingapura. Mas se é difícil e complicado para entrar na ilha de Jurong, criada artificialmente com o aterramento do mar, isso não acontece com as empresas, que são atraídas pela infra-estrutura, o posicionamento do mercado e a mão-de-obra especializada.

A Petrobras é uma das novatas da ilha, a apenas 45 minutos do centro desta cidade-Estado do Sudeste Asiático. A estatal brasileira chegou timidamente em 2004, mas em fevereiro passado aumentou sua capacidade de armazenagem de combustíveis alugando um terço dos 450 mil metros cúbicos dos tanques da sino-cingapuriana Chemoil. De Cingapura, a estatal vende combustível com baixo teor de enxofre para os países da Ásia.

Situado no meio do caminho entre a China e a Índia, o complexo químico de Cingapura reúne 95 empresas. O cluster, cujas empresas faturam mais de US$ 60 bilhões, já representa mais de um terço da indústria de transformação de Cingapura, ultrapassando a tradicional indústria de eletrônicos.

Até o fim dos anos 60, o que hoje é conhecida como Ilha de Jurong era um arquipélago de sete ilhas. Cerca de 100 famílias sustentavam-se com atividades de pesca e culturas agrícolas, vivendo em moradias simples de madeira. A vida pacata dos moradores mudou com a chegada das empresas de refino de petróleo. A ilha de Ayer Chawan foi alugada para a americana Esso, a de Pesek para a também americana Mobil e a de Merlimau para a cingapuriana Singapore Refining Company (SRC).

Os nativos foram obrigados a deixar suas moradias e mudar-se para o centro da cidade-Estado. Com o desenvolvimento das atividades de refino de petróleo, a mão forte do governo começou a agir: a indústria química foi identificada como um setor de importância estratégica nos anos 80 capaz de gerar empregos e grande crescimento econômico.

Mas o rápido desenvolvimento industrial trouxe um desafio à ilha de Jurong: a falta de espaço. Para romper os limites dos 10 quilômetros quadrados, o governo começou a projetar em meados dos anos 90 um plano de expansão física da ilhas. Imensos navios aterraram parte do mar, fazendo a ligação dos canais e formando uma ilha única, inaugurada em 2000. A empreitada custou US$ 5 bilhões e o tamanho original da ilha foi triplicado para mais de 30 quilômetros quadrados.

Neste momento, as companhias se preparam para elevar sua oferta de produtos significativamente - um crescimento que irá impactar profundamente a indústria petroquímica mundial, justamente quando se espera uma baixa no ciclo do setor, no início da próxima década. Dali, o complexo abastece indústrias chinesas e indianas com produtos usados na fabricação de pneus, garrafas, frascos, sacolas, canos, cosméticos e uma lista de diversos itens essenciais e inúmeras quinquilharias.

As cifras dos investimentos futuros são altas. Apenas a americana ExxonMobil, a maior empresa de petróleo do mundo, está aplicando US$ 4 bilhões na construção de seu segundo projeto petroquímico na ilha de Jurong, que inclui um novo cracker associados às unidades de derivados. Não muito longe dali, na vizinha ilha Bukom, a anglo holandesa Shell constrói um craquer - fábrica de insumos petroquímicos, como a produção de eteno. O investimento, de US$ 3 bilhões, irá alimentar Jurong de matéria-prima via oleodutos.

"Quando os novos craquers da ExxonMobil e Shell estiverem totalmente prontos em 2011, a oferta de eteno - um dos principais produtos petroquímicos - de Cingapura irá dobrar para 4 milhões de toneladas por ano", afirma Aw Kah Peng, diretora da área de desenvolvimento industrial do Economic Development Board (EDB), a agência de investimentos do governo de Cingapura. Esse volume representa quase 10 vezes mais do que o Brasil irá adicionar de capacidade de produção de eteno até 2011. Nas contas da ExxonMobil, espera-se que nos próximos 10 anos 60% do crescimento da petroquímica ocorrerá na Ásia, sendo mais de um terço na China.

É difícil imaginar que Cingapura, um país que não extrai nenhuma gota de petróleo e supre toda a necessidade com importação, faça a opção de investir no setor intensivo de capital. Mas nas demais ilhas, o governo começou a instalar uma estação de energia, um pólo petroquímico e várias unidades químicas. O governo não vende os terrenos às empresas, mas faz leasing de longo prazo. No pacote de benefícios, há impostos mais baixos e condições vantajosas para instalação. "Não posso falar sobre os pacotes negociados", diz, o bem-humorado, Julian Ho, responsável pela área química e de energia da EDB.

Hoje, atuam, além das refinarias, empresas químicas como Akzo Nobel, Basf, DuPont, Celanese, ChevronTexaco, Mitsui e Sumitomo. Mais recentemente, a Lanxess anunciou um investimento de US$ 575 milhões numa nova fábrica de borracha butílica, usada para a fabricação de pneus, que irá gerar 150 empregos. "Cingapura tem um dos principais institutos científicos da Ásia", disse o presidente da empresa química alemã, Axel Heitmann. "Vamos conversar com jovens cientistas recém-formados em química, biologia, matemática e física."

Para diferenciar-se dos pólos petroquímicos criados mais recentemente na Índia e na China, o governo de Cingapura tem estimulado a integração de setores de maior valor agregado, evitando a oferta dos commodities, especializadas dos países vizinhos.

A intenção tem sido atrair os investimentos das atividades de downstream, nas quais as empresas refinam o óleo e produzem os combustíveis e demais derivados, químicos e petroquímicos. "Esse tem sido um esforço importante para sustentar a vantagem competitiva de Cingapura", diz Kha Peng, da EDB.