Título: Cobrança segue lentamente e atrasa despoluição de rios
Autor: Bourscheit , Aldem
Fonte: Valor Econômico, 20/03/2008, Especial, p. B9

Nos últimos anos, a gigante da química Basf cortou pela metade o volume de água que retirava do Rio Paraíba do Sul, em Guaratinguetá (SP), e em 78% o consumo de água por tonelada produzida. Também reduziu em 62% seu lançamento de efluentes. Para chegar a esses resultados, a empresa não precisou de nenhuma mágica: investiu na melhoria de processos produtivos e em novos equipamentos.

Uma das medidas de maior peso foi usar sistemas fechados de resfriamento industrial. Agora, a indústria repõe apenas a água que evapora ou se perde na produção. Antes, cada resfriamento requeria grandes quantidades de água nova. "O custo da água não é significativo em nossa produção, mas é um recurso que precisa ter seu uso racionalizado", diz Odilon Ern, diretor de segurança, saúde e meio ambiente da Basf para a América do Sul.

Além de gerar dividendos ambientais, a empresa consegue reduzir o valor boletos da cobrança pela água que consome. Os pagamentos anuais têm girado em torno de R$ 100 mil. Ano passado foram R$ 105 mil e, este ano, serão de no máximo R$ 112 mil, acompanhando o aumento progressivo da taxa de cobrança pelo uso. Ano que vem, o valor será de até R$ 119 mil - pouco se comparado ao faturamento de ? 1,6 bilhão de euros da empresa no Brasil.

Inspirado no modelo que a França usa desde 1969, o governo brasileiro iniciou a cobrança pelo uso da água em bacias altamente industrializadas, urbanizadas e poluídas do Sudeste, nas do Rio Paraíba do Sul (2003) e dos rios Picacicaba, Capivari e Jundiaí (2006). As regiões respondem por cerca de 30% do PIB nacional. Taxando os milhões de litros que usam os setores industrial, agrícola e de saneamento, espera-se evitar conflitos, limpar rios e aumentar a oferta de água.

"Hoje não há água para todo mundo. Algumas indústrias não podem mais crescer por falta do recurso", diz Patrick Thomas, gerente de cobrança por recursos hídricos da Agência Nacional de Águas - ANA. Apesar de ser citada desde os anos 1930 na legislação nacional, a cobrança pela água entrou em campo apenas em 2000, com a aprovação da chamada Lei das Águas. De lá para cá, apenas duas bacias federais decidiram taxar o uso do recurso natural. Também há cobrança em apenas sete bacias estaduais, no Rio de Janeiro e São Paulo.

Isso acontece porque a cobrança só começa com o sinal verde dos comitês de bacia, espécie de plenário com usuários de água, governos e indústrias de cada região. No país há 139 comitês em rios estaduais e só seis grupos em rios federais, aqueles que cruzam mais de um Estado, como o São Francisco.

A lenta implementação da cobrança se deve à falta de organização institucional e pode atrasar a despoluição de bacias em todo o país, onde a escassez de recursos e a falta de um empenho maior dos governos para tocar obras de saneamento resultam no despejo de toneladas diárias de poluentes nos rios. Segundo o IBGE, falta ao Brasil tratar mais da metade dos esgotos que produz. "A situação é muito crítica em várias regiões. O poder público sempre foi lento na implementação de políticas, resultando em passivo ambiental", diz José Galizia Tundisi, professor da Universidade de São Paulo e pesquisador do Instituto Internacional de Ecologia.

Além de alcançar poucas regiões, a cobrança pelo uso da água responde apenas por entre 10% e 15% do dinheiro necessário a cada ano para despoluir os rios nas duas bacias taxadas no Sudeste. Na do rio Paraíba do Sul, a média de tratamento de esgotos é de 13%, enquanto na do Piracicaba, chega a 40%. Fontes de mais recursos seriam os orçamentos estaduais e da União, além de investimentos privados. "A cobrança sozinha não conseguirá pagar a conta da despoluição", avisa Thomas, da ANA.

Um dos motivos é o baixo valor cobrado no Brasil pelo uso da água. Eles são definidos pelos comitês de bacia. Nas bacias federais com cobrança, os valores variam de R$ 0,01 por metro cúbico a R$ 0,10 por metro cúbico, dependendo do volume captado e do nível de poluição da água devolvida aos rios. Em 2007, a ANA arrecadou R$ 22 milhões nas duas bacias. Este ano, o montante deve chegar a R$ 27,4 milhões. Todo o dinheiro volta às chamadas agências de água, braços executivos dos comitês de bacia, para investimentos na recuperação dos rios, como tratamento de esgotos.

Quase um terço da arrecadação de 2008, cerca de R$ 10 milhões, deve ser pago pela Sabesp - Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo. Como outras empresas de saneamento, ela tem grande volume de captação e devolve muita água poluída aos rios. Já o setor agrícola tem descontos na hora de pagar pela água. O Brasil tem hoje cerca de 60 mil hectares com cultivos agrícolas, menos de 4% irrigados. Mesmo assim, consomem 70% da água nacional bombeada. A França demorou quase 30 anos para cobrar de seus agricultores pela água que consomem. Mas lá, a arrecadação chega à casa dos bilhões de euros.

Uma análise do governo mostra que os impactos da cobrança são bem pequenos para a produção na indústria (0,02%), na irrigação (cerca de 1%) e no setor de saneamento (de 2% a 3%). Maior pagadora entre as indústrias, a Rhodia deve desembolsar este ano R$ 827 mil pela água consumida. Mas a empresa também investiu em tecnologia e diminuiu pela metade sua captação. Os litros poupados podem abastecer uma cidade de cerca de 500 mil habitantes. De 2008 em diante, o governo espera que a cobrança seja iniciada nas bacias dos rios Doce, Paranaíba, Grande e São Francisco, por onde caminha o projeto federal de transposição de águas.