Título: Gestão da demanda é a prioridade da indústria
Autor: Cezar , Genilson
Fonte: Valor Econômico, 20/03/2008, Especial, p. B10

Fábio Gandour: modelo de gerenciamento do capital industrial bem protegido Pressões por redução de consumo e desejos de ter uma boa imagem ambiental são motivos suficientes para que a indústria brasileira adote, num ritmo cada vez mais intenso, medidas visando reduzir o consumo de água em seus processos de produção. A água é hoje um bem caro, escasso e de fácil contaminação. Se não for bem utilizada e bem tratada, tem um impacto considerável nos custos de produção, sem falar dos efeitos prejudiciais ao marketing das empresas que operam no exterior.

Como não há mais muita água para atender à indústria manufatureira, responsável por 20% do consumo total do país, a estratégia é o reuso - da água captada de rios, dos mananciais e sistemas de abastecimentos ou dos efluentes, próprios ou de outros. Um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) feito com 447 empresas da região do Vale do Paraíba (SP) mostra que cerca de 15% do total, as maiores consumidoras, já adotam práticas de reutilização da água.

"Essas empresas não captam água mais do que já estão autorizadas, nem lançam mais efluentes no meio ambiente. Tudo o que consomem dentro da fábrica vem do reservatório próprio, da estação de tratamento interna, é o reuso total", conta Anícia Pio, especialista em meio ambiente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

O maior desafio é vencer situações delicadas de constrangimento pela ausência de água. Um exemplo positivo é o projeto de expansão do Pólo Petroquímico de Capuava, localizado entre Santo André e Mauá, que elevará em 25% a capacidade de produção a partir de 2008, com investimento de R$ 840 milhões. Para funcionar numa região onde praticamente não há mais água adicional, o pólo de Capuava está investindo R$ 130 milhões num projeto de obtenção de água de reuso (esgoto tratado) da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico de São Paulo), que lhe proporcionará, a partir do ano que vem 600 litros de água por segundo, numa primeira fase, e depois 800 litros por segundo.

"É uma questão de consciência ambiental e de redução de custos. Um metro cúbico de água potável é bem mais caro que um metro cúbico de água de reuso. Para uma empresa que consome mais de 50 mil metros cúbicos de água potável, o custo pode ficar entre R$ 7 a R$ 9 por metro cúbico. Quando se fala de água de reuso, as cifras não passam de R$ 1 por metro cúbico", explica Gesner Oliveira, presidente da Sabesp. Segundo ele, a empresa que não mostrar para o mercado que é sustentável em todos os aspectos, não sobrevive.

O problema na gestão dos recursos hídricos, segundo Fernando Rei, diretor-presidente da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), responsável pela licença de operação dos empreendimentos industriais, não é só com relação à quantidade dos recursos, mas também à qualidade. Com a mudança da legislação ambiental, a partir de 2002, as licenças de operação de um empreendimento e sua renovação passaram a ser atreladas ao cumprimento de metas ambientais. A cada termo de renovação, entra em avaliação a gestão estratégica que os empreendedores fazem do uso da água. "Uma vez que uma indústria dá uma contribuição positiva para recuperação do meio ambiente, isso não pode ser ignorado pelo órgão ambiental. Temos dispositivos que permitem beneficiar essas indústrias com até um terço a mais do prazo de licenciamento", conta Rei.

A cobrança pelo uso da água, criada pela Lei das Águas em 1997 - antes as empresas pagavam apenas pelo seu tratamento - já está implantada em duas bacias hidrográficas: Paraíba do Sul e Piracicaba/Capivari/Jundiaí, na região Sudeste. Quem consome mais, claro, vai pagar mais. Mas há custos também pela poluição orgânica gerada. Quem polui mais, seguramente, vai pagar mais. "A cobrança pela água foi uma sinalização para que os agentes econômicos mudem o comportamento. A idéia é mostrar que se trata de um recurso raro, tem valor econômico elevado e a cobrança induz a uma utilização mais racional", analisa Oscar Cordeiro Neto, diretor-presidente interino da Agência Nacional de Águas (ANA).

A gestão da demanda é hoje uma das grandes preocupações da indústria. Muitas empresas sequer sabem quanto gastam de água ou onde gastam. O que abre um novo campo de oportunidades para empresas e instituições que desenvolvem pesquisas e tecnologias para disseminar boas práticas de reuso. Somente no ano passado, o CIRRA (Centro Internacional de Referência em Reuso de Água), ligado à Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, desenvolveu 15 projetos para siderúrgicas e metalúrgicas interessadas em melhorar o sistema de reuso da água.

Em um dos projetos, desenvolvido para a INA, fábrica de rolamentos pertencente ao grupo alemã Schaeffler, um dos líderes mundiais em componentes automotivos, industriais e aeroespaciais, a redução do consumo de água, por meio de métodos de gestão de demanda, atingiu o índice de 97%. "A gente entra com tecnologia avançada para trabalhar com efluentes e esgotos que a indústria gera, verifica o potencial de reuso e cria sistemas de tratamento para minimizar o lançamento de resíduos sólidos no meio ambiente", explica Ivanildo Hespanhol, presidente do CIRRA.

Além dos projetos para melhor utilização do consumo de água, a indústria está preocupada em fabricar equipamentos que também possam conservar e diminuir o consumo de água, ou ainda em desenvolver inovações concentradas nas questões ambientais e em processos industriais. Um grupo de empresas, do qual fazem parte a IBM, Nokia, Pitney Bowes e Sony, entre outras, fundaram o EPC (Eco-Patent Commons), num esforço para entregar ao domínio público um elenco de patentes, "inovadoras e ambientalmente responsáveis", visando estimular a adoção de processos que preservem e reduzam o consumo da água.

Uma das patentes já disponíveis na internet (wbcsd.org/web/epc) está relacionada com o método de fabricação de componentes de microeletrônica, processo que exige altíssimo grau de pureza da água utilizada na limpeza das peças.

Segundo Fábio Gandour, gerente de novas tecnologias da IBM, trata-se de uma patente que substitui o solvente orgânico, utilizado no processo de limpeza de componentes eletrônicos - e que provoca contaminação da água -, por ozônio, substância química de menor efeito contaminador. A IBM já usa esse processo de limpeza em suas fábricas há três anos e está colocando a patente à disposição pública por interesses ecológicos. "Nossa única preocupação é que esse modelo de gerenciamento do capital industrial esteja bem protegido", afirma Gandour.