Título: Stephanes e Caiado trocam farpas em debate sobre carne
Autor: Zanatta , Mauro
Fonte: Valor Econômico, 20/03/2008, Agronegócios, p. B15

A Comissão de Agricultura da Câmara viveu, na quarta-feira, um dia de tensão, acirrado por um intenso bate-boca e acusações mútuas entre o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, e o deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO). Dedo em riste, e aos gritos, ambos trocaram insultos por divergirem em relação ao tratamento que deveria ser dispensado à "guerra da carne" com a União Européia.

Na audiência pública convocada para debater as sanções da UE, Caiado atacou primeiro ao apontar a existência de uma "máfia da carne" e acusar Stephanes de "lavar as mãos" diante da exportação de carne de bois não-rastreados à UE, admitida pelo ministro em recente reunião no Senado.

Apoiado pelos deputados presentes, Caiado afirmou, em tom de palanque, que o ministro defendia "interesses" de um "cartel dos frigoríficos" e do suposto "cartório" das certificadoras do sistema de rastreamento de gado (Sisbov). "Alguém tem compromisso com o erro? Que medidas tomou o ministério? Nenhuma. Ele vocaliza quais interesses? Da Europa, dos frigoríficos? Quem o senhor representa?", disse, a dois metros da mesa onde estava o ministro.

Mesmo sem contar com a defesa imediata de parlamentares da base do governo ou de seu próprio partido (PMDB), Stephanes retrucou, com ironia: "Só posso aplaudir seu discurso, mas prefiro o senhor como médico [Caiado é cirurgião] do que como defensor dos pecuaristas". Caiado reagiu com virulência: "Vossa Excelência é um pára-quedista", gritou.

A acusação, que sobressaltou o ministro, lembrou as críticas feitas pela bancada ruralista contra a nomeação de Stephanes por falta de intimidade com o setor: "Me respeite! O senhor era um menino quando eu trabalhava e visitava a fazenda dos seus pais. O senhor veio aqui para dar discurso, não trouxe questões técnicas". Exaltado, Caiado pediu "respeito" e rejeitou "ataques pessoais".

O clima de tumulto geral se instalou na reunião, alguns deputados ensaiaram apoio a Caiado e o presidente da comissão, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), cortou os microfones para serenar os ânimos. Ainda indignado, Stephanes voltou à carga. "Não sou polícia para discutir se frigoríficos fizeram certo ou errado [vender bois não-rastreados à UE]. Mas não posso aceitar dizer que não represento os pecuaristas, que não entendo de agricultura. Sou ofendido quando dizem que defendemos interesses de frigoríficos. Aliás, não conheço nenhum deles". E recorreu a sua biografia para defender-se: "Sou respeitado pelo setor. Fui parte do comitê fundador da Embrapa, do Incra, fui presidente da Sober [sociedade de economia rural]".

Passado o bate-boca mais agudo, a tensão permaneceu em insinuações mútuas. "Quando declarei que [frigoríficos] exportavam rastreado e não-rastreado, não era novidade internamente. Todos sabiam. O deputado Caiado só confirmou a prova", disse. "Mas se o Caiado deseja romper com a União Européia, que assuma a responsabilidade".

Mais calmo, o ministro reiterou ter havido "erros para trás" na construção do Sisbov e na aceitação das regras impostas pela UE. "Houve fraude, houve desvios. Isso aconteceu muito mais [por parte] dos outros atores do que dos produtores". Mas resignou-se: "Não há muito o que fazer com os que fraudaram. As certificadoras vão ser descredenciadas e tem havido processos e punições de funcionários [do ministério]. Coisas mais graves mandamos para frente".

Depois, Stephanes voltou a atacar frigoríficos e certificadoras. "Tudo é cartelizado. Os insumos são cartelizados. Essa questão é seríssima. Se vamos ter certificadoras [privadas] ou não depende do grupo de consultores [que avaliam reforma no Sisbov]. Se os Estados puderem assumir, provavelmente não teremos". Para ele, o Sisbov "é ruim e inexeqüível". Quase ao fim de quatro horas de debate, cometeu uma gafe ao chamar Caiado de "senador". "A senadora Kátia [Abreu, do DEM-TO] e o senador Caiado podem falar o que eu não posso". No corredor da comissão, Caiado pediu a renúncia do ministro. "É opinião isolada dele", rebateu Stephanes. Em seguida, saiu por uma porta e Caiado por outra.