Título: Contágio da recessão nos Estados Unidos é inevitável
Autor: Carvalho , Maria Christina
Fonte: Valor Econômico, 20/03/2008, Finanças, p. C7

Ruy Baron / Valor Murilo Portugal: Há divergência no ciclo econômico e não descolamento" Se no início do ano o Fundo Monetário Internacional (FM) chegou a discutir a possibilidade de os países emergentes descolarem ("decoupling") da recessão que avança sobre a economia americana, os sinais de contágio levaram o organismo a rever a tese. "Não há um descolamento completo mas sim divergência no ciclo econômico. Se a situação em países avançados se deteriorar mais, possivelmente a divergência será mais temporária", afirmou o diretor-gerente-adjunto do Fundo Monetário Internacional (FMI), Murilo Portugal.

Em conversa com o economista da Rio Bravo, Fausto Vieira, cuja íntegra pode ser ouvida a partir de hoje no site da administradora de recursos, Portugal afirmou que o padrão de crescimento das economias emergentes diverge do padrão observado nas economias avançadas. No ano passado, o crescimento médio dos mercados emergentes foi de 7,8%, puxado em boa parte pela média de 9,6% dos países localizados na Ásia.

Portugal notou que o padrão de crescimento dos emergentes se baseia em alguns fundamentos como a elevação dos preços de mercadorias exportadas; ganhos permanentes de produtividade, e melhoria das políticas de governo que permitiram atrair investimentos importantes e ampliar a demanda doméstica.

Mas, ainda assim, disse Portugal, a economia dos emergentes será afetada pela crise americana. Em função disso, o FMI espera para esses países um crescimento de 7% neste ano, inferior ao de 2007, embora significativo.

Em um discurso feito no início do mês durante reunião anual do Institute for International Finance (IIF), Portugal já afirmava que os respingos da crise nos emergentes se tornaram menores do que no passado mas ainda são importantes. E parte do ritmo divergente de crescimento é resultado da defasagem dos mecanismos de transmissão na economia global. O spread na dívida soberana e corporativa aumentou acentuadamente desde outubro e os mercados de ações nos países emergentes se retraíram no início deste ano.

Entre os mercados emergentes, os da América Latina são os que possuem uma relação mais intensa comercial e financeira com os Estados Unidos e, por isso mesmo, são mais facilmente contaminados pela situação.

No entanto, disse o diretor-gerente-adjunto do FMI, as economias da América latina estão mais fortalecidas do que no passado graças a novas políticas de governo. Entre elas relacionou o persistente combate à inflação, a redução do déficit fiscal, diminuição da dívida pública, acumulação de reservas internacionais e fortalecimento das regulamentação e da supervisão bancária. "Tudo isso reduziu muito a vulnerabilidade dessas economias e tornou esses países mais fortes", afirmou.

Alertou porém que não é possível baixar a guarda uma vez que nem todos os países da América Latina estão no mesmo estágio e que há heterogeneidade na região. "Nem todos apresentam o mesmo progresso", disse, alertando ainda para alguns sinais preocupantes como o crescimento das despesas públicas, inclusive no Brasil, explicando que está preocupado com as despesas para o consumo e não com as destinadas a investimentos.

"A América Latina será menos afetada do que no passado, mas o será", disse. No discurso na IIF, Portugal afirmou que a região da América Latina e Caribe entra nesse período de turbulência em posição de força.

Em 2007, a economia da região cresceu no ritmo de 5,5%, repetindo o desempenho de 2006 e marcando os melhores quatro anos seguidos desde os anos 70.

Segundo Portugal, alguns países foram afetados mais severamente do que outros, especialmente aqueles cujos fundamentos são menos sólidos e que confiaram no crédito de curto prazo dos bancos estrangeiros e alimentaram déficits em conta corrente amplos e permitiram o superaquecimento, como as economias do Leste Europeu.

Em relação à situação da economia americana, Portugal afirmou que os dois principais riscos são as indicações de que a crise das hipotecas vai levar mais tempo para ser resolvida; e a possibilidade de a turbulência nos mercados de crédito se agravar.