Título: Análise prévia de fusão trará mais volatilidade a ações
Autor: Juliano Basile e Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 14/02/2005, Brasil, p. A3

A criação do novo Cade, o tribunal da concorrência, trará maior segurança às empresas que promoverem fusões e aquisições. Concluído pelo governo, o projeto de lei institui a aprovação prévia das operações, evita o fato consumado, elimina a necessidade de avaliação de cerca de 35% dos casos atuais e reduz o tempo de incerteza para as companhias que ficam à mercê dos julgamentos do Cade e muitas vezes da própria Justiça. "O projeto melhora a situação das empresas que têm ações cotadas na bolsa e também das que não têm", afirma a presidente do Cade, Elizabeth Farina. "Ainda que não tenha ações no mercado e, portanto, não sofra diretamente as alterações, a empresa terá uma perspectiva mais clara sobre o fechamento dos negócios e isso é bom para todo mundo." Hoje, as fusões demoram, em média, 129 dias para serem julgadas pelo Cade, mas, na prática, casos complexos podem levar anos para serem apreciados. Os processos seguem um rito burocrático e demorado. As empresas têm de aguardar pelos pareceres das secretarias de Direito Econômico (SDE), do Ministério da Justiça, e de Acompanhamento Econômico (Seae), do Ministério da Fazenda, para, depois, enfrentarem o julgamento do Cade. Cada secretaria tem 60 dias para fazer o seu parecer, segundo a atual Lei de Defesa da Concorrência (nº 8.884/1994). O Cade, por sua vez, tem mais 120 dias para o julgamento final. Nas fusões complexas, esses prazos se alongam, chegando muitas vezes a mais de um ano para a conclusão. Isso aconteceu em casos importantes, como a compra da Garoto pela Nestlé - a fusão foi feita e anunciada há quase três anos; o Cade vetou a união há um ano; as empresas ainda aguardam o julgamento de um recurso. Com o projeto do novo Cade, haverá apenas um guichê: o próprio Cade. O órgão antitruste terá uma estrutura maior. Absorverá metade da Seae e metade da SDE. Ficará com toda a estrutura do Departamento de Proteção e Defesa Econômica, responsável hoje pela análise de fusões, aquisições e cartéis na SDE. E ganhará um Departamento de Estudos Econômicos para fazer análises setoriais, trabalho feito pela Seae. As fusões consideradas simples, ou seja, aquelas que não provocam grande concentração de mercado, serão aprovadas com um único despacho do novo diretor-geral do Cade. Se desejarem, os conselheiros poderão requisitá-las para julgamento. Mas a idéia é que a palavra do diretor-geral ponha um ponto final na maioria dos negócios. As fusões consideradas complexas deverão ser aprovadas em até 280 dias, estima o secretário de Direito Econômico, Daniel Goldberg. Como as empresas precisarão da aprovação prévia para que a fusão entre em vigor, o secretário acredita que a volatilidade das ações das empresas aumentará, mas apenas no curto prazo. "O mercado deverá precificar as fusões, mas por um curto espaço de tempo", prevê. Farina acrescenta que isso forçará as empresas a serem mais ágeis no fornecimento de informações sobre as fusões. A necessidade de aprovação prévia criará uma novidade no mercado acionário. Enquanto os casos não forem julgados pelo Cade, os investidores poderão fazer apostas sobre a conclusão ou não dos negócios. O projeto de lei está na Casa Civil da Presidência da República e aguarda apenas a eleição dos presidentes da Câmara e do Senado para ser enviado à votação no Congresso. A aprovação da reforma é considerada urgente porque o movimento de fusões e aquisições é crescente no Brasil. Em 2004, o órgão antitruste bateu o recorde histórico de julgamentos: 752, uma média, portanto, de dois processos por dia. O excesso de julgamentos é uma conseqüência da lei atual. Ela prevê a análise do Cade sobre todas as fusões e aquisições de empresas que faturam mais de R$ 400 milhões. Basta que uma das empresas envolvidas no negócio tenha esse faturamento para que o caso vá obrigatoriamente ao tribunal da concorrência - o conselheiro Roberto Pfeiffer votou processo em janeiro, estabelecendo que essa regra valia apenas para o faturamento das empresas dentro do Brasil. O projeto de lei prevê um mecanismo mais eficiente: explicita que o faturamento a ser considerado é o da empresa no Brasil e dá poderes ao Cade para alterar o valor mínimo do faturamento por resolução. Pelo projeto, só serão avaliados pelo Cade casos de empresas com faturamento mínimo, no Brasil, de R$ 150 milhões. Goldberg prevê que 35% dos processos analisados hoje pelo Cade não serão mais encaminhados para julgamento. A introdução da aprovação prévia na nova legislação é aplaudida pelos especialistas, mas eles chamam atenção para a necessidade de o Cade ter estrutura para responder com celeridade às consultas. "Para implementar essa novidade, é preciso ter gente", comenta o economista César Mattos, consultor da Câmara e especialista em defesa da concorrência. Ele lembra que, hoje, a Seae tem mais estrutura de pessoal do que a SDE e o Cade. O Cade terminou 2004 com 54 servidores. "É uma estrutura franciscana", reconhece Elizabeth Farina. Para resolver esse problema, o governo concordou com a criação de um plano de carreira. "O plano é um grande avanço. Toda a comunidade pede", diz Ubiratan Mattos, presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Relações de Concorrência e Consumo (Ibrac). Outro especialista, o ex-presidente do Cade Gesner Oliveira, lembra que a aprovação prévia é um instrumento moderno, presente em cerca de 40 países. "A avaliação prévia é boa porque evita o fato consumado", diz o economista. Ele ressalvou, no entanto, que é preciso estabelecer um prazo para a análise prévia. "O prazo daria mais segurança às empresas", concorda Ubiratan Mattos. Nos Estados Unidos, as autoridades instituíram o "quick look" (análise rápida). "Se em 30 dias, as autoridades não respondem à consulta, a fusão está aprovada", diz Gesner, lembrando que isso vale para a maioria das operações. "Em 5% dos casos de fusões, há o 'second request', ou seja, eles pedem informações às empresas envolvidas no negócio." No projeto de lei, não há limitação de prazo para a análise prévia. "São dois cuidados que precisam ser observados: o do tempo, que trava a economia; e o do sigilo", sugere Gesner. Nos EUA, o sigilo tem uma "salvaguarda especial". Enquanto estão sendo analisados pelas autoridades, os casos não são revelados ao público. Outra sugestão feita pelo ex-presidente do Cade é que os conselheiros do tribunal passem a ter suplentes porque, atualmente, a falta de quorum para julgamento dos casos é comum, o que emperra os trabalhos.