Título: 3ª bolha?
Autor: Cotias , Adriana;Camba, Daniele
Fonte: Valor Econômico, 20/03/2008, EU & Investimentos, p. D1

As commodities, que até aqui blindaram a bolsa brasileira - e, por que não dizer, a economia - de um contágio mais intenso da crise americana, começam a ter a sua escalada questionada. O chacoalhão que os preços tiveram nesta semana - especialmente ontem -, com as vendas capitaneadas pelos fundos hedge, acendeu o sinal de alerta se esse é um movimento de queima de gordura ou se o ciclo de alta, iniciado em 2003, estaria próximo do fim. O assunto é vital para a bolsa. No conjunto de 54 papéis que compõem o Índice Bovespa, 16 estão relacionados à cadeia das commodities, com peso de 47,12%, segundo o Valor Data. Só Petrobras e Vale respondem por quase 30% do Ibovespa.

Para os analistas, os fundamentos, ancorados principalmente na demanda chinesa, ainda justificam cotações elevadas, mas há quem preconize que o mundo vive uma terceira bolha, que estourará quando a desaceleração global ganhar corpo diante da recessão nos EUA.

Dos anos 80 até o início do novo milênio, as commodities tiveram 20 anos de baixas, e somente há cinco essa tendência se reverteu, diz Christian Baha, CEO do Superfund, grupo austríaco de investimentos especializado em commodities. "A expectativa é de que essa tendência continue no curso dos próximos 10 ou 15 anos."

Commodities como as de energia e os metais industriais tiveram um rali sem precedentes, atingindo níveis recordes em meados de março. O petróleo ultrapassou a casa dos US$ 110,00 em Nova York, enquanto os metais vinham sendo empurrados pela demanda das economias emergentes e por expectativas de procura crescente. Só que os fundamentos sozinhos não explicam a euforia com esses bens, escreve Thorsten Fischer, do grupo de Economia do Royal Bank of Scotland (RBS). Transformados numa classe de ativos pelos especulativos fundos hedge, esses produtos têm sido um refúgio contra a inflação e o enfraquecimento do dólar.

Para Fischer, depois do estouro das bolhas acionária e imobiliária nos EUA, o mercado de commodities mostra sinais clássicos de que será o próximo a estourar. "A estratégia de usar commodities para proteger investidores da inflação, num momento em que o crescimento está desacelerando e a demanda se arrefecendo, é insustentável." O especialista argumenta que, se para o ouro a lógica financeira pesa mais do que a demanda física, o mesmo não vale para as commodities industriais. "As perspectivas para a economia global se deterioraram nos últimos seis meses e o crescimento na demanda por commodities será mais lento."

O tombo das commodities é um sinal de alerta que merece ser monitorado. Mas, pelo menos no curto prazo, não houve alterações nos fundamentos que levaram esses produtos a níveis historicamente altos, diz o gerente de tesouraria do Banco Itaú, Ronie Germiniani. "A volatilidade ficou muito forte nos últimos dias, mas ainda não dá para dizer se isso indica alguma mudança de direção, pois o mercado estava ávido por uma 'sell opportunity' (oportunidade de venda para embolsar lucros)", diz.

Apesar da batida em retirada dos fundos hedge, nada indica que está em curso um processo de deterioração contínua de preços, diz o superintendente de Renda Variável da SulAmérica Investimentos, Alexandre Vianna. "A demanda, principalmente das commodities agrícolas, continua forte na China e nos emergentes." Ele lembra que, para a Bovespa, é de vital importância que o ciclo de alta prossiga.

Após o petróleo bater os US$ 110,00 o barril, muitas casas de análise revisaram para cima as projeções para o óleo cru. Mas o ponto controverso é que a Petrobras não tem reajustado na bomba o preço da gasolina, diz Vianna. A Vale, por sua vez, recuperou terreno com o aumento de 65% imposto ao minério de ferro e agora está embrenhada numa negociação para adquirir a anglo-suíça Xstrata, que tem provocado muita polêmica. "Foi assim com a compra da Inco, só digerida pelo mercado com a alta do níquel."

No setor de alimentos, Vianna prefere Perdigão, apesar de a companhia sofrer com a alta dos preços dos grãos. "Graças ao mercado interno e externo, a empresa tem conseguido repassar custos, além de focar em produtos de maior valor agregado."

As empresas ligadas a commodities são ainda as melhores opções da bolsa, defende o chefe de análise da Concórdia, Eduardo Kondo. Além do ciclo de alta, as companhias têm porte, são competitivas e rentáveis em comparação às concorrentes. Além disso, apresentam múltiplos menores. "Como os investidores estrangeiros já compram ações de commodities em outros países, no Brasil vêm à procura de papéis de empresas de varejo e consumo."

O temor que a desaceleração americana leve o mundo a reboque ainda não tem fundamento, diz Kondo. "Para as principais commodities, o crescimento da China é o que mais importa e o ritmo deve seguir vigoroso." A projeção para a expansão do PIB chinês para os próximos 5 anos é de 9,2% ao ano, ante uma média de 10,7% entre 2003 e 2007. "Essa queda, em boa parte, já reflete a deterioração americana, mas continua sendo um senhor crescimento."

Os setores de minério e siderurgia devem ser os mais beneficiados por esse cenário. A Vale exporta para a China, enquanto as siderúrgicas reajustam o aço seguindo o mercado externo. A demanda chinesa é o grande balizador. Entre as siderúrgicas, ele recomenda as ações da Usiminas, que subiram menos que as demais do setor. Sem contar que a empresa acabou de comprar as mineradoras do grupo J. Mendes, fincando um pé no promissor mercado de mineração, tal como CSN e Gerdau.

Assim como as outras commodities, a celulose vem num intenso processo de valorização e já bateu os US$ 920 por tonelada, mas teria de estar em torno de US$ 1,1 mil para competir com a alta do minério de 65% e a excelente rentabilidade das siderúrgicas, cita Kondo.

Com a recessão americana, o risco de a formação de preços ser afetada é concreto, diz o chefe de análise da CMA, Luiz Francisco Rogê Ferreira. A Klabin teria o maior potencial de valorização, pela exposição maior ao mercado interno e por ser menos vulnerável a um cenário de deterioração. Já Aracruz e VCP, com maior exposição externa e ao segmento de celulose, têm perspectivas menos promissoras.