Título: Municípios têm menor déficit nominal
Autor: Cynthia Malta
Fonte: Valor Econômico, 14/02/2005, Brasil, p. A7

Prefeituras controlam melhor suas finanças e tomam menos empréstimos bancários do que administrações estaduais e federal. Nos últimos seis anos, enquanto as maiores esferas de governo mostraram um comportamento de montanha russa em suas contas, os governos municipais registravam um déficit nominal praticamente zerado, segundo o Banco Central. O resultado nominal, segundo o critério usado pelo BC, cruza informações sobre endividamento interno e externo, pagamentos de dívidas, aplicações financeiras e outras operações que governos e estatais registram no sistema financeiro. O critério nominal, ao contrário do resultado primário, considera também o pagamento de juros. Por isso apresenta um quadro mais completo das finanças públicas nacionais. Os dados são enviados ao BC pelos bancos instalados no país e mostram que o nível de endividamento de prefeituras e estatais municipais é menor do que o de governos estaduais e federal. Há casos mais complicados, como o da cidade de São Paulo, cujos compromissos vencidos e a vencer neste ano somam R$ 16 bilhões, segundo a prefeitura. Mas no grupo de 5.560 municípios existentes no país, casos como este são poucos e estão concentrados em grandes cidades, com mais de 1 milhão de habitantes. A Lei de Responsabilidade Fiscal ajuda a explicar o desempenho dos municípios, mas mesmo antes dela, que começou a vigorar em abril de 2000, essa tendência já era detectada. Analistas dizem que a melhoria seria também resultado de maior controle da população sobre esses governos. "A pressão, o controle, a fiscalização da população sobre os governos municipais, que estão mais próximos dos cidadãos, ajudam nas finanças", diz Amir Khair, ex-secretário de Finanças da cidade de São Paulo. A administração federal, por sua vez, fechou em dezembro com o maior déficit nominal dos três níveis de governo, equivalente a 1,87% do PIB. O estadual registrou déficit de 1,56% e os municípios, de 0,37% (ver tabela). O quadro dos últimos seis anos é mais positivo quando se olha para o resultado nominal das estatais. As municipais, que são em número bem menor do que as estaduais e as federais, de certa forma repetem o desempenho de seus governos, mostrando um déficit nominal praticamente zerado. As estatais federais, desde meados de 1999, têm se mantido no azul, com superávit nominal. Nos últimos doze meses, terminados em dezembro, essas empresas registram superávit nominal de quase R$ 15 bilhões. Isso significa, explica um técnico do BC, que as estatais federais podem ter resgatado dívidas nos bancos. Ou pode indicar um valor alto em aplicações financeiras. Em geral, são empresas de grande faturamento, como a Petrobras, por exemplo. "As estatais estaduais demoraram mais para melhorar os resultados. Isso tem a ver com o tamanho da dívida e com o passado desastroso, quando elas funcionavam como emprestadoras de última instância aos governos. Mas também tem a ver com a sua atividade, o setor onde elas atuam", diz Carlos Eduardo Gonçalves Cavalcanti, economista da Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap) que há dez anos estuda finanças públicas. Ele lembra que a Petrobras, por exemplo, está numa linha de negócios bem lucrativa. Consegue exportar e ter receita em dólares, o que ajuda bastante o caixa. Estatais estaduais, como companhias de metrô e de saneamento básico, são empresas com retorno financeiro mais complicado. "O Metrô de São Paulo até pouco tempo atrás tinha a tarifa subsidiada", diz Cavalcanti. Khair nota que a maior parte dos 5.560 municípios no país não possui estatais. As prefeituras, em vez de empresas, operam por meio de autarquias que integram a administração direta. O chefe-adjunto do Departamento Econômico do BC, Luiz Sampaio Malan, observa que, de fato, "desde 1998 as empresas estatais regionais (estaduais e municipais) vêm registrando melhoria na sua situação fiscal. " Malan destaca cinco fatores que ajudam a explicar esse desempenho mais positivo: 1) saneamento financeiro promovido pelos governos regionais; 2) processos de reestruturação e modernização da gestão; 3) medidas inibidoras do financiamento de gastos dos respectivos governos; 4) medidas de controle e acompanhamento do endividamento das empresas; e 5) privatizações. Luiz Malan diz que embora o processo de melhora nas finanças tenha ocorrido tanto nas estatais estaduais quanto nas municipais, "a dívida das empresas estatais estaduais situa-se num patamar bem mais elevado. Além disso, grande parte do endividamento interno das empresas estatais estaduais é atrelada ao dólar ou ao IGP-DI". Apesar disso, as estatais estaduais, há cerca de um ano e meio, também vêm apresentando um déficit nominal bem próximo de zero, segundo o BC. Cavalcanti observa que esse quadro, no qual as três esferas de governo apresentam finanças relativamente em ordem, começou a ser construído há cerca de 20 anos. "A partir de meados dos anos 80 começou a surgir uma nova concepção de gestão pública, mais próxima dos moldes da gestão privada". A discussão levou ao processo de privatização, já nos anos 90, e o estabelecimento da Lei de Responsabilidade Fiscal em 2000. Os analistas avaliam que as finanças públicas, de modo geral, caminham bem e que o conceito de gestão fiscal responsável está bem enraizado no país. E essa situação abre caminho para que as demandas da população por mais redes de água, esgoto, escolas e hospitais possam ser atendidas com mais rapidez. "Não parece haver espaço para voltar a se fazer uma gestão fiscal, financeira, descuidada. Mas de outro lado há essa tremenda pressão social por mais serviços", diz Cavalcanti. Em saneamento básico, por exemplo, os números que o país apresenta não são nada bons. Segundo o Relatório do Desenvolvimento Humano - 2004, da Organização das Nações Unidas, 83% dos brasileiros tinham acesso a uma fonte de água melhorada em 1990. Essa fatia subiu para apenas 87% em 2000. Quando se considera a rede de esgoto, os números são ainda menores, de 71% e 76%. O Ministério das Cidades estima em R$ 178 bilhões o investimento necessário para levar água potável a 100% da população brasileira, observa o diretor-executivo da Associação Brasileira de Municípios, José Carlos Rassier. "Se mantido o atual ritmo de investimentos, só conseguiremos atingir esse objetivo em 2038", diz. Mas finanças tendendo ao equilíbrio não significam inexistência de corrupção. A Controladoria Geral da União (CGU) informa, num levantamento de 2003, que em 250 municípios visitados 52% das obras de abastecimento de água e 60,5% das de esgoto apresentaram irregularidades ou impropriedades no pagamento. O relatório da CGU indicou que em 60 obras, ou 15,3% das fiscalizadas, foram encontrados "indícios graves de danos ao erário ou prestação de contas inadequada". O relatório levou a Fundação Nacional de Saúde, órgão executivo do Ministério da Saúde, a contratar mais 50 engenheiros sanitários e fechar um convênio com a Caixa Econômica Federal para supervisão conjunta das obras feitas com recursos federais.