Título: Concentração no ensino preocupa ministério
Autor: Galvão , Arnaldo
Fonte: Valor Econômico, 24/03/2008, Brasil, p. A5

Ronaldo Mota, do MEC : ingresso de capital internacional especulativo na atividade educacional é "preocupante" O Ministério da Educação não quer esperar o Congresso aprovar um novo marco regulatório para o mercado de ensino e vem atuando para controlar a qualidade da educação oferecida pelas instituições privadas. O secretário de Educação Superior do MEC, Ronaldo Mota, afirma que "escola não é padaria", ao comentar o recente movimento de aquisições e maior concentração do mercado. "Não há uma norma que proíba a concentração na legislação da educação, mas há o risco de somente as grandes instituições sobreviverem, o que traz consequências educacionais", diz.

É "preocupante", na análise de Mota, a força do lançamento de ações em bolsa e o ingresso de capital internacional especulativo na atividade educacional. Recentemente, o Valor revelou que a tranqüilidade das férias escolares em janeiro e fevereiro foi quebrada este ano por nove aquisições no setor que movimentaram pelo menos R$ 81 milhões. O ritmo de concentração deve continuar forte em 2008 e até mais acelerado do que no ano anterior. Em 2007, foram 25 aquisições e 14 delas realizadas por empresas que chegaram à bolsa entre março e outubro: Kroton, Anhangüera, SEB e Estácio. Juntas, elas levantaram R$ 1,38 bilhão com suas ofertas primárias de ações.

As empresas de capital fechado, contudo, também têm financiado suas compras com recursos próprios ou financiamento com bancos. Nesse grupo, destacam-se a Unicsul, o grupo Veris, que é dono do Ibmec, e a Laureate, empresa americana que controla a Anhembi-Morumbi, a São Paulo Business School e tem participações em empresas do Nordeste. Há também fundos interessados em fechar negócios no setor, como é o caso de dois que são administrados pelo UBS Pactual e detém participação na Fanor, do Ceará.

Na interpretação de Mota, a iniciativa privada pode e deve atuar no mercado da educação, mas tem de haver equilíbrio. Ele defende que a avaliação do poder público deve gerar regulação. Nesse controle mais rigoroso que o governo pretende sustentar, o secretário revela que há um processo administrativo em andamento que poderá descredenciar uma instituição privada por problemas de qualidade.

Mota ressalta que, na década passada, o poder público avaliava e o mercado regulava, o que ele considera "respeitável". Agora, avisa ele, o Estado é o regulador. Exemplo da atuação do ministério, segundo ele, é o que está sendo feito com as faculdades de direito e, posteriormente, vai atingir as faculdades de pedagogia.

O Ministério da Educação vem propondo para algumas instituições privadas de ensino superior na área do direito que assinem termos de compromisso para reduzir a oferta de vagas, elevar as exigências para o corpo docente, limitar o número de alunos por sala de aula e estabelecer um número mínimo de títulos nas bibliotecas. Quem não aderir, terá de defender-se em processo administrativo que poderá levar, no limite, ao fechamento do curso. O secretário diz que a Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup) foi à Justiça pedir uma liminar contra essa regulação do ministério, mas seu pedido foi rejeitado.

Na avaliação de Mota, o mercado da educação é de aproximadamente R$ 40 bilhões, igual ao do turismo. Isso é muito atraente para grupos internacionais e, na sua visão, os australianos costumam ser agressivos em seus investimentos nesta área. Empreendedores portugueses também têm especial interesse no país. Esse cenário, para o governo, exige que seja reforçada a mensagem por meio da qual educação é um bem público estratégico para a formação cultural. E não pode ser tratada como mercadoria.

O secretário diz que há total sintonia com o Itamaraty, mas teme que o mercado nacional educacional seja colocado na mesa de negociações do Acordo Geral para o Comércio de Serviços - em inglês, a sigla é GATS - da Organização Mundial do Comércio (OMC). Ele alerta que é muito importante o Congresso aprovar o projeto - parado há dois anos - que estabelece que no mínimo 70% do capital votante das entidades mantenedoras de instituições de ensino superior devem pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros natos ou naturalizados.

"Se tudo estiver conforme o compromisso de atender às normas da OMC/GATS, até que ponto se retirará do poder público nacional o controle da regulamentação no país? É, portanto, um risco para o projeto de desenvolvimento do Brasil aderir à proposta da OMC porque a educação, na concepção governamental brasileira é um bem público e um direito, mas não uma mercadoria", diz Mota.

O projeto que prevê novas normas de regulação está parado há dois anos no Congresso. Ele foi enviado pelo Executivo em regime de urgência, mas esse pedido foi retirado. Mota diz que, se esse projeto for aprovado, vai definir critérios mais precisos de avaliação e estabelecer políticas públicas estáveis. A falta de regulação adequada e avaliações consistentes significa, para o secretário, permitir que, ao lado de boas instituições privadas, se estabeleçam empresas onde o lucro é tratado como algo muito mais importante do que a educação.

Mota, contudo, está pessimista quanto à possibilidade de tramitação rápida do projeto. Ele argumenta que o primeiro relator designado, Paulo Delgado (PT-MG), não se reelegeu. O atual relator, Gastão Vieira (PMDB-MA), é candidato à prefeitura de São Luís e, portanto, não terá muito tempo para dedicar-se ao assunto ao longo deste ano de eleições municipais.