Título: PMDB do Rio avança sobre relatorias e cargos
Autor: Jayme , Thiago Vitale
Fonte: Valor Econômico, 24/03/2008, Política, p. A7

Nos últimos dois anos, a Câmara dos Deputados tem sido palco da ascensão de um grupo político coeso, agressivo nas negociação de bastidores e competente na defesa dos interesses do governo. Liderado pelo deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a turma reúne quase vinte parlamentares que gravitam em torno dos cariocas do PMDB, não necessariamente correligionários. Muitos são ligados à bancada evangélica e ao ex-governador, Anthony Garotinho.

Seu poder hoje está concentrado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, presidida por Cunha. Em 2007, o colegiado já havia sido dominado pelo grupo com a presidência do deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ). Nos últimos seis meses, ficou nesta turma a relatoria dos três projetos mais importantes debatidos no Congresso.

Cunha foi relator da PEC que tentava prorrogar a CPMF. Agora, é Picciani quem acumula relatorias importantes: é o responsável pelo projeto que altera o rito de medidas provisórias e pela proposta de reforma tributária. Ele garante que as indicações não passam de coincidência. Diz que Picciani já relatava projeto anterior sobre a reforma tributária. Sobre as MPs, o colega teria sido "o primeiro a pedir a relatoria", ainda em 2007.

Antes das eleições de 2006, o grupo vivia sob influência forte do clã Garotinho. Com a eleição do governador Sérgio Cabral (PMDB) no Rio de Janeiro, Garotinho perdeu força no partido e o grupo da Câmara precisou se unir para não ter o mesmo destino político. Do momento ruim, surgiu uma tropa coesa.

O primeiro passo foi pacificar a bancada. Cunha e seu grupo sabiam que a maior força do PMDB está no seu tamanho. Era fundamental agir em conjunto. O mandato dos dois últimos líderes tinha como marca maior a polêmica e a desunião.

Um acerto entre os cariocas e a cúpula partidária - formada pelo presidente da legenda, Michel Temer (SP), pelo ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima (BA), e pelos deputados Eliseu Padilha (RS) e Moreira Franco (RJ) - permitiu a eleição do deputado Henrique Eduardo Alves (RN) para liderar a bancada. Hoje, a liderança de Henrique Alves não encontra resistências importantes dentro da bancada. "Ele trabalha com muita competência. Todo mundo na bancada é atendido. É um cara conciliador", enfatiza o deputado carioca.

Em seguida, ainda em 2006, o grupo do Rio foi forte aliado da candidatura de Arlindo Chinaglia (PT-SP) à presidência da Câmara. Com a eleição do petista, os cariocas ganharam ainda mais prestígio na Casa. O poder de negociação da turma começou a chamar a atenção.

Além de sete deputados do PMDB do Rio, o grupo ainda é formado por 13 deputados do PSC, do PTC e até do PR. E o relacionamento com PTB e PP é o melhor possível. Cunha, fiel da Sara Nossa Terra, agrega em torno de si vários parlamentares da bancada evangélica.

Fazem parte do grupo, além de Cunha e Picciani, os pemedebistas Geraldo Pudim (RJ), Carlos Bezerra (MT), Cezar Schirmer (RS) e Marcelo Itagiba (RJ), além dos deputados Neucimar Fraga (PR-ES) e Carlos Willian (PTC-MG).

O grupo é bem recompensado pela coesão. Picciani foi eleito presidente da CCJ, indicado pelo PMDB. Este ano, Cunha teve o apoio do partido para chefiar a CCJ. Temer chegou a conversar com Chinaglia sobre a importância de o governo aceitar Cunha.

O Planalto resistia. Ainda estavam frescos na memória governista os três meses nos quais Cunha segurou o relatório da CPMF para garantir a nomeação de Luiz Paulo Conde para a presidência de Furnas.

Cunha é figura polêmica em seu Estado. Inimigos políticos o acusam de corrupção quando seu grupo político dominou a Companhia Estadual de Habitação do Rio de Janeiro (Cehab) e a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Estado (Cedae). O Ministério Público investigou as duas gestões mas os processos não foram adiante. Em 2007, a deputada estadual Cidinha Campos (PDT) acusou Cunha de vender uma casa ao megatraficante Juan Carlos Abadía, em Angra dos Reis. O pemedebista nega negócio com Abadía.

Na negociação, Temer lembrou dos bons serviços prestados por Cunha durante a CPI do Apagão Aéreo . No momento mais complicado da comissão, depois do acidente com o avião da TAM, em Congonhas, o deputado presidiu a CPI e conseguiu frear o ímpeto da oposição.

A nomeação de Conde para Furnas, porém, se deve muito mais ao acordo ardiloso do grupo do Rio com o PMDB de Minas e do Centro-Oeste do que à demora da apresentação do relatório da CPMF.

Nas negociações em torno de Furnas, fecharam um acordo. Apoiaram a indicação de Jorge Luiz Zelada - nome escolhido pelos mineiros - para a diretoria internacional da Petrobras, e de Maguito Vilela - o preferido dos deputados do Centro-Oeste - para a vice-presidência de agronegócio do Banco do Brasil. E conseguiram apoio para Conde.

Hoje, Conde é o nome mais importante do grupo no governo federal. Além dele, os cariocas do PMDB ainda têm alguns cargos de menor influência no âmbito do governo federal, no Rio. Mas o grupo ainda não conseguiu alcançar a maior obsessão de Cunha: o comando de um fundo de pensão.

Investidor no mercado de ações, Cunha conhece o poder dos fundos de pensão no mercado. A primeira tentativa do grupo foi emplacar a presidência do Ceres, fundo dos funcionários da Embrapa. Perderam a queda-de-braço com Reinhold Stephanes, desafeto de Cunha no PMDB. A última tentativa, também frustrada, foi a direção do Real Grandeza, dos funcionário de Furnas.

Hoje, o grupo vislumbra cargos em gerências da Petrobras. A voracidade por postos incomoda aliados. O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva já reclamou. Em conversa com assessores, no fim de fevereiro, demonstrou irritação. Disse que o PMDB do Rio "nunca está satisfeito".

No plano estadual, apesar de não ter mais a força dos tempos de Garotinho, o grupo mantém influência. E o principal personagem é o pai de Leonardo Picciani, o deputado estadual Jorge Picciani (PMDB), presidente da Assembléia Legislativa.

Apesar da negativa de Cabral e Picciani, lideranças locais asseguram que o grupo tem relações muito próximas com as secretarias de Educação e Saúde do Estado.

A turma é criticada por alguns setores da Câmara. "Eles não sabem trabalhar com discrição. Têm um estilo trombador, muito voraz", diz um pemedebista. Cunha refuta a fama conquistada e a suposta desconfiança do Planalto. "É tudo folclore. E um pouco de ciúmes também. Quando fazemos bem o trabalho, acabamos chamando atenção", diz.