Título: Aliados recebem mais transferências
Autor: Agostine , Cristiane ; Watanabe , Marta
Fonte: Valor Econômico, 24/03/2008, Política, p. A8

Serra e Kassab: Orçamento de 2008 prevê transferências 15 vezes maiores que as feitas por Alckmin para Marta em 2004 A parceira entre o governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), e o prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel (PT), em torno do lançamento de uma candidatura única na capital mineira está estampada no volume das transferências voluntárias do governo estadual para o municipal. Crescentes, desde 2004, as transferências deram um salto na previsão orçamentária de 2008. O governo tucano de Aécio deve repassar voluntariamente para a administração petista de Pimentel R$ 81 milhões este ano, quatro vezes o valor de 2004, ano das últimas eleições municipais.

Levantamento do Valor em 12 capitais brasileiras mostrou que em pelo menos oito delas a alternância entre aliados e adversários no governo do Estado e na administração das capitais afeta fortemente as transferências, quase sempre atreladas a convênios para execução de projetos sociais ou obras.

O exemplo mais eloqüente é São Paulo. Em 2004, quando a prefeitura era ocupada por Marta Suplicy (PT) e o Palácio dos Bandeirantes, por Geraldo Alckmin (PSDB), as transferências do Estado para a capital somaram R$ 44 milhões. Este ano, o orçamento estadual prevê que o governador José Serra (PSDB) transfira para seu aliado Gilberto Kassab (DEM) 16 vezes o que foi transferido quatro anos atrás, chegando a R$ 724 milhões. Esta soma também é muito superior aos repasses nos quase dois anos em que Alckmin e Serra fizeram dobradinha nos governos estadual e municipal (ver tabela).

"Temos uma situação muito diferente agora. Houve um amadurecimento dos projetos", conta o secretário de Finanças do município de São Paulo, Walter Aluisio Rodrigues. Ele não nega que haja conotação política na transferência de recursos, mas prefere citar os entraves burocráticos. "Há , sim, burocracia na relação entre os dois governos. Quando são de partidos diferentes, fica mais difícil, porque alegam que não concordam com determinado projeto", comenta.

Assim como em São Paulo e Belo Horizonte, nas prefeituras de Fortaleza, Florianópolis e Aracaju os repasses voluntários ficaram afinados com os investimentos municipais concentrados às vésperas das eleições.

No primeiro ano de mandato no governo do Ceará, Cid Gomes (PSB) garantiu ao município de Fortaleza uma transferência voluntária de R$ 9,36 milhões à aliada Luizianne Lins, do PT. Em 2008 esses repasses devem praticamente quintuplicar para R$ 44,21 milhões, o que significa quase 10% dos recursos obrigatórios do Estado para o município.

Os valores repassados nos últimos dois anos são bastante superiores aos R$ 2,2 milhões que o governador anterior, o tucano Lucio Alcântara, ofereceu à opositora Luizianne em 2005. Em 2006 sequer houve repasse do Estado para a prefeita petista.

O aumento dos recursos voluntários do Estado coincide com o ano de eleições no qual a capital cearense planeja quadruplicar os investimentos. Dos R$ 170,37 milhões realizados no ano passado, os investimentos, segundo o orçamento, devem saltar para R$ 669,26 milhões.

Em Florianópolis a ajuda do governo estadual também chega em boa hora para a campanha do aliado. Cotado como pré-candidato à reeleição, Dario Berger (PMDB) prevê elevação significativa dos investimentos. Serão R$ 235,4 milhões, 24,45% do Orçamento. No ano passado foram R$ 68 milhões.

Do mesmo partido, o governador Luiz Henrique deixou a maior parte das transferências voluntárias para o início de seu segundo mandato. Em 2005 foram R$ 5,02 milhões. Em 2007, aumentaram para R$ 16,9 milhões e para 2008 o orçamento prevê R$ 90,22 milhões, o que praticamente se equipara ao volume de transferências obrigatórias do Estado para o município.

Os recursos virão principalmente de convênios ligados a projetos sociais ou obras que servirão de vitrines eleitorais a Berger. Na área de saneamento básico, os repasses voluntários estaduais praticamente quintuplicaram de 2007 para a previsão deste ano. O "tapete preto", projeto que promete renovar o calçamento de dezenas de ruas e avenidas do município, deve receber este ano do Estado R$ 10,09 milhões. Ano passado o repasse foi de R$ 625 mil.

Em Aracaju, o aumento das transferências voluntárias também acompanhou a mudança no governo estadual, em 2007. O governador Marcelo Déda (PT) reforçou o caixa de Edvaldo Nogueira (PCdoB), o vice que ficou no seu lugar na prefeitura. Ao assumir o Estado no lugar de João Alves Filho (DEM), transferiu para a capital R$ 19 milhões, mais do que o dobro dos repasses do ano anterior. Para 2008, o repasse previsto é de R$ 24,56 milhões.

O secretário municipal de Finanças, Jeferson Passos, confirma que a parceria com o governo do Estado evoluiu substancialmente a partir de 2007. "Antes praticamente não havia transferências voluntárias. Não havia uma justificativa explícita. Isso não deveria acontecer, porque as transferências têm de ocorrer com base em critérios técnicos."

Quando foi idealizada, a transferência voluntária era destinada a projetos de interesse e responsabilidade comum entre Estados e municípios. "Esse tipo de repasse é bastante útil para os municípios, mas a atribuição de um caráter político é um desvio da intenção do legislador", explica o advogado Milton Lautenschläger, do Queiroz e Lautenschläger Advogados.

Mas a prática é outra. "Existe a necessidade de dar atendimento político aos aliados", avalia François Bremaeker, coordenador do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (Ibam). "Não é um fator que possa ser recriminado, é uma prática disseminada em campanhas."

Em Belém, o confronto começou em 2004, quando a petista Ana Júlia (PT), foi derrotada na disputa para a prefeitura por Duciomar Costa (PTB). Dois anos depois a petista venceu as eleições para o governo do Estado. Quando assumiu o governo, em 2007, os repasses voluntários para o município foram reduzidos a R$ 10,8 milhões e este ano, ficarão em R$ 5,51 milhões, num fluxo inverso ao que havia acontecido nos dois anos anteriores, quando ainda era governador o tucano Simão Jatene. Em 2005, as transferências foram de R$ 3,4 milhões e em 2006, de R$ 14,9 milhões.

As transferências voluntárias dos Estados também minguaram em Goiânia e Teresina, pela falta de afinidade entre os grupos políticos dos governos municipal e estadual.

A rivalidade entre o prefeito de Goiânia, Íris Rezende (PMDB), e o governador do Estado, Alcides Rodrigues (PP), esvaziou as transferências voluntárias. "Não recebemos nada nesses últimos anos", diz o secretário municipal de Finanças, Dário Delio Campos. "O Estado não faz transferência voluntárias de recursos. Não temos projetos em comum. É cada um por si", reclama.

Teresina também registra transferências voluntárias nulas desde 2004. É a mesma aliança de Minas, com os partidos trocados. Daquele ano até hoje a prefeitura da capital e o comando do Estado ficaram, respectivamente, nas mãos do PSDB e PT. Para o secretário de Finanças de Teresina, Felipe Mendes, a rivalidade entre governador e prefeito explicam em parte a falta de transferências não-obrigatórias.

"O PT e o PSDB não são partidos amigos. Então não há repasses voluntários. Além disso, as transferências do Estado costumam privilegiar as cidades do interior e não a capital", diz. Segundo Mendes, o município e o governo estadual têm alguns projetos em parceria, mas são "projetos em que cada um faz a sua parte".

Os governos estaduais de Goiás, Pará e Piauí foram procurados pela reportagem na quinta-feira, mas já estavam em recesso por conta do feriado da Páscoa.