Título: A administração não pode ser refém do sindicalismo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 24/03/2008, Opinião, p. A12

A sucessão de conquistas das centrais sindicais na Era Lula mostra que esse foi o grupo de interesse que mais se beneficiou com a ascensão do PT ao poder. Num governo que abrigou, e ainda abriga, representantes do agronegócio (Roberto Rodrigues), da indústria (Luiz Fernando Furlan) e do setor financeiro (Henrique Meirelles e Miguel Jorge), talvez, seja inadequado falar em "república de sindicalistas". É fato, porém, que, principalmente no segundo mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva governa de braços dados com os sindicatos.

A massiva ocupação de cargos é uma evidência dessa influência. Pesquisa coordenada pela professora Maria Celina D'Araújo, do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas, revela que nada menos que 45% dos cargos mais altos do governo são ocupados por sindicalistas. É, sem dúvida, uma desproporção, afinal, apenas 14% dos brasileiros são sindicalizados.

Há duas semanas, com o apoio crucial do governo, o Congresso aprovou a legalização das centrais sindicais, que, agora, passarão a receber um naco do anacrônico imposto sindical, que, por essa mesma razão, ganhou uma dificuldade adicional para ser extinto. Foi uma vitória decorrente da união das duas maiores centrais - a Central Única dos Trabalhadores (CUT), ligada ao PT, e a Força Sindical, vinculada ao PDT -, ambas adversárias figadais e, hoje, dividindo e disputando espaços de poder no governo.

Outras vitórias importantes dos sindicatos foram a recuperação do salário mínimo, que tem, neste momento, o maior poder de compra dos últimos 40 anos, bem como a criação de uma regra permanente - e generosa - de correção (inflação do ano anterior, acrescida da variação do PIB de dois anos anteriores). O governo também atendeu a um pleito dos sindicatos quando decidiu corrigir os valores da tabela do Imposto de Renda, uma medida desenhada para beneficiar especialmente os metalúrgicos da região do ABC, onde Lula iniciou sua trajetória político-sindical.

Tão relevante quanto listar as conquistas dos sindicalistas é lembrar o que deixou de ser feito nos últimos anos por causa da resistência das centrais, com o beneplácito do governo. Há exemplos de sobra, mas os destaques são as reformas trabalhista e sindical, a atualização da Consolidação das Leis do Trabalho e, mais recentemente, a desoneração da folha de pagamento. Todas essas medidas eram destinadas a reduzir o custo de produção no país, um dos mais altos do mundo em desenvolvimento.

Os sindicatos barraram outras propostas importantes, como o fim do imposto sindical e a regulamentação do direito de greve no serviço público, sugerida pelo próprio governo. Por causa da ausência de legislação, no regime atual funcionários públicos fazem greves livremente, sem o risco de demissão e de ter o ponto cortado. O resultado é que, à vontade com o fato de o país ter um presidente da República originário do movimento sindical, os servidores lideram a onda de greves que marcaram a administração pública nos últimos cinco anos - a despeito, registre-se, de o governo os terem tratado a pão-de-ló.

No primeiro mandato, Lula corrigiu os salários de praticamente todas as categorias do Poder Executivo, contratou mais de cem mil funcionários e segue reajustando seus vencimentos - há dez dias, anunciou aumentos para cerca de 800 mil funcionários. "Não deixamos de fazer greve. Quem mais fez greves, desde o início do governo Lula, foram os sindicatos ligados à CUT", revelou, em entrevista ao Valor, Arthur Henrique da Silva Santos, presidente da central.

É legítimo que o movimento sindical lute pelo atendimento de suas reivindicações e, uma vez fazendo parte do governo, dispute espaços. O que não é aceitável é a administração ficar refém do sindicalismo, como nos casos mencionados, atrasando o desenvolvimento do país. Agora, por exemplo, antevendo o fim da gestão Lula e a possível perda de poder, as centrais querem ampliar sua participação em instâncias decisórias. O presidente já teria concordado, inclusive, com uma idéia descabida: a criação de vagas nos conselhos de administração das estatais para sindicalistas.