Título: Insegurança jurídica traz prejuízos ao Brasil
Autor: D'Urso, Luiz Flávio ; Henrique, Walter
Fonte: Valor Econômico, 24/03/2008, Opinião, p. A12

A Constituição Brasileira, que este ano comemora 20 anos, vem sendo constantemente violada, quebrando-se o ordenamento jurídico nacional em decorrência do volume de normas inconstitucionais editadas. Cabe aos parlamentares - enquanto representantes do povo - elaborar as leis, missão para a qual o legislador precisa estar preparado para que as novas regras realmente ajudem a solucionar conflitos e não criar novos, sobrecarregando o Judiciário que, de um modo geral, já está congestionado.

O que estamos constatando é que a produção de leis inconstitucionais ou que se chocam ou se sobrepõe a legislações já existentes acaba por criar um novo vetor de insegurança, gerando o que nenhum país civilizado deseja: instabilidade das relações econômicas, profissionais e particulares. Neste cenário, a qualidade dos diplomas legais é fundamental para garantir a segurança jurídica, a estabilidade do dia-a-dia dos cidadãos. Dados evidenciam que 82% das leis dos municípios do Estado de São Paulo levadas ao exame do Tribunal de Justiça foram consideradas inconstitucionais nos anos de 2002 e 2003. Extrapolando para os mais de cinco mil municípios brasileiros, chegamos a uma conta alarmante. Pior: metade das leis estaduais e quase 20% das leis e normas federais também são inconstitucionais.

A lei, certamente não pode ser elaborada para atender interesses de grupos ou interesse governamental, ela tem de servir à Res-Publica. Também precisa ter enunciados claros para evitar interpretações diversas, que trarão ainda mais confusão e insegurança na sua aplicação. Por ter um índice tão alto de leis inconstitucionais, o Brasil evidencia que os detentores do poder acabam legislando em causa própria em detrimento dos direitos de todos os brasileiros.

-------------------------------------------------------------------------------- Somente com a segurança jurídica é possível combater os excessos do poder público e garantir a liberdade e a igualdade --------------------------------------------------------------------------------

O aspecto tributário não pode ser dissociado da cidadania, porque o tributo é a forma pela qual o indivíduo financia a coletividade, e abusos fundados em meros interesses arrecadatórios, além de tumultuar o Poder Judiciário, retira destes a possibilidade de investir em seu desenvolvimento econômico, deixando de gerar riquezas para todos. Empreender com segurança e estabilidade, sem sofrer abusos, não é apenas um direito dos brasileiros assegurado pelo ordenamento, mas uma necessidade de toda a sociedade para que tenhamos uma nação justa, desenvolvida e sem desigualdades sociais e regionais, promovendo o bem a todos (artigo 3º da Constituição Federal).

Quando a norma legal é clara no processo de sua elaboração e também no procedimento de sua aplicação - hoje ainda há muito descompasso entre o que a lei pretende e sua aplicabilidade - a sociedade tem a certeza de sua efetividade e pode antever não apenas o seu dia-a-dia, mas o resultado das decisões judiciais quando for necessário ingressar com ações, aumentando seu grau de previsibilidade. Por isso, o país consegue preservar sua segurança jurídica, permitindo uma redução dos conflitos, contribuindo para a celeridade da Justiça.

A quantidade de leis também contribuem sensivelmente para a insegurança jurídica no país. Temos um cipoal legislativo de normas legais, regulamentares e complementares, que tornam quase impossível para os operadores do Direito manterem-se atualizados. Estudo do IBPT apontou que nos primeiros 19 anos da Constituição Brasileira foram editadas 3,6 milhões de normas, o que resulta em 21 normas federais por dia, sem levar em conta as estaduais e municipais, a demonstrar que o princípio da eficiência por parte da Administração Pública foi totalmente relegado.

Outro fator que contribui para a insegurança jurídica é o entendimento divergente das cortes no país. Temos, por exemplo, decisões divergentes entre o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça em determinadas matérias, como é o caso da cobrança da Cofins para as sociedades de profissão regulamentada, o que não contribui para trazer o entendimento entre as partes. Na verdade, isso gera mais instabilidade e até injustiças, acirrando o conflito existente na relação fisco-contribuinte.

A segurança jurídica é importantíssima porque alicerça a proteção aos cidadãos. Dela decorrem a segurança de todos os demais direitos individuais e coletivos. Assim, as normas legais passageiras , as normas que não pegam, as normas inconstitucionais, as normas que geram interpretações divergentes expõem ainda mais o desequilibro de forças entre o Estado e o cidadão. Somente com a segurança jurídica, é possível combater os excessos do poder público e garantir a liberdade, igualdade, segurança e a plenitude da cidadania.

Luiz Flávio Borges D'Urso, advogado criminalista, mestre e doutor pela USP, é presidente a OAB SP.

Walter Cardoso Henrique é advogado tributarista e presidente da Comissão de Assuntos Tributários da OAB SP.