Título: Novas dificuldades nas negociações com os EUA
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 14/02/2005, Opinião, p. A16

A retomada das conversações entre os governos brasileiro e americano na área comercial, esboçada durante a reunião do Fórum Econômico Mundial, em Davos, no fim de janeiro, esbarrou rapidamente em dificuldades, como tem acontecido com freqüência nas negociações bilaterais, apesar do bom relacionamento pessoal mantido pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e George Bush. Mais uma vez, os dois países apostam em formatos diferentes para um acordo que possa ampliar suas relações comerciais. Depois de oito meses de interrupção nas conversações, um encontro entre o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, e o futuro secretário-adjunto de Estado americano, Robert Zoellick, quebrou o gelo entre Washington e Brasília em Davos. A reunião não apresentou grandes avanços, mas o Brasil aproveitou a ocasião para relançar a proposta do formato "quatro mais um", entre o Mercosul e os Estados Unidos, para tratar de acesso aos mercados. Ou seja, os dois lados discutiriam produtos, o que cada um oferece em agricultura, indústria e serviços. Para o Brasil, isso ajudaria a chegar mais facilmente a um acordo sobre as regras a serem seguidas, já no contexto geral da Área de Livre Comércio das Américas - a Alca - com os 34 países participantes. Não há, porém, possibilidade do governo dos Estados Unidos aceitar a proposta de acordo comercial entre o país e o Mercosul, como deixa clara a entrevista, publicada na última quarta-feira pelo Valor, do embaixador americano no Brasil, John Danilovich, para quem a negociação da Alca está entre as mais altas prioridades na relação bilateral Brasil-EUA. A posição americana é que não há interesse em uma negociação direta e exclusiva com o Mercosul. Na mesma época, o sub-representante comercial americano, Peter Allgeier, também sacramentou a posição do seu governo ao dizer que "um acordo de acesso a mercado não é de interesse dos EUA". O embaixador americano adiantou um sério ponto de divergência entre os dois governos: os Estados Unidos consideram "inamovível" a reivindicação de incluir, na futura Alca, regras mais fortes de cumprimento das leis de defesa da propriedade intelectual. "A sensibilidade em relação a contratos e patentes, os direitos das empresas que gastam milhões de dólares em pesquisa e demandam royalties por isso, é um requisito natural. O Brasil tem feito esforços sérios para atacar o problema, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criou comissões para garantir o cumprimento da lei, no Natal foram feitas prisões de violadores dos direitos de propriedade intelectual. Estamos nos movendo na direção correta, mas não é algo que possa ser posto de lado, discutido mais tarde. Está permanentemente sobre a mesa." O Brasil, de seu lado, rejeita a idéia, por temor de que, na Alca, problemas com patentes venham a servir de pretexto para criação de barreiras comerciais a produtos nacionais. A inclusão de medidas como essa, rejeitada pelo Brasil nos acordos bilaterais dos EUA, são um dos motivos apontados para a recusa das negociações bilaterais com o Mercosul. O governo brasileiro se manifestou por intermédio do principal negociador brasileiro na Alca, Régis Arslanian, que disse "estranhar" as declarações de autoridades do governo dos Estados Unidos contrárias à proposta apresentada pelo Brasil, de iniciar negociações para um acordo de livre comércio entre o Mercosul e os EUA. "Não entendemos por que os EUA negociam acordos com todos os outros participantes da Alca e não querem fazer conosco", ironizou Arslanian. "Não estamos propondo nada contra a Alca, apenas queremos adiantar as negociações de acesso a mercados, sobre redução de tarifas e barreiras a mercadorias e serviços." A esperança de que haja um prosseguimento nas negociações comerciais está depositada, agora, no encontro marcado para o fim do mês, em Washington, entre Allgeier e o embaixador Adhemar Bahadian, para ver como seria possível avançar com a agenda. Se forem retomadas, de fato, as conversações sobre a Alca, haverá muito a debater, porque os governos brasileiro e americano têm se colocado em posições opostas em muitas das principais questões. Outra frente de negociações comerciais internacionais sobre a qual se pode ter alguma esperança de avanços é o reinício das conversações da Rodada Doha, nesta semana, em Genebra, no âmbito da Organização Mundial do Comércio.