Título: O Brasil deveria ingressar na OCDE
Autor: Fabio Giambiagi
Fonte: Valor Econômico, 14/02/2005, Opinião, p. A17

Uma das prioridades do país na segunda metade da década deve ser a de se qualificar para obter o "grau de investimento" ("investment grade") das agências classificadoras de risco, como S&P ou Moody´s. Isso não será possível em 2005 ou 2006, porque nós ainda estamos ainda alguns degraus abaixo do nível requerido para tanto, e sendo os avanços nesse ranking graduais, não há tempo para que tal objetivo seja alcançado ainda no atual governo. Trata-se, porém, de uma meta exeqüível para ser perseguida pelo próximo governo, qualquer que seja o presidente escolhido em 2006. Esse, aliás, deveria ser um objetivo de todos os candidatos, uma vez que permitiria pavimentar o terreno para uma redução expressiva do risco-país e das taxas de juros reais ainda muito elevadas vigentes na economia brasileira. Nós estaríamos trilhando, alguns anos depois, o caminho que seguiu o México, que, depois de vários anos de esforço, foi premiado com a conquista dessa categoria, há algum tempo. Para poder concretizar essa aspiração, vários requisitos serão necessários. Em particular, será importante que o déficit público se aproxime de 2 % do PIB - de preferência, menos do que isso -, que a relação dívida pública/PIB decline durante vários anos consecutivos e que os coeficientes de endividamento externo conservem a trajetória de queda iniciada em 1999. Adicionalmente, porém, a procura do "investment grade" poderia ser reforçada por iniciativas complementares, que poderiam contribuir para esse objetivo, uma vez que seriam consideradas parte integrante de uma estratégia abrangente de uniformização do padrão econômico brasileiro com os "standards" dos países avançados. Uma dessas iniciativas deveria ser o pedido de entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Há 20 anos, este era um "clube dos ricos", abrangendo Europa Ocidental, EUA, Canadá e Japão. Ao longo dos anos, porém, ocorreram dois fenômenos que foram moldando um novo perfil para a instituição. O primeiro foi a transição ao capitalismo dos diversos países da Europa Oriental, que até o fim dos anos 80 estavam sob a influência da antiga União Soviética. E o segundo foi a evolução e o amadurecimento de economias emergentes, que passaram por sucessivos processos de reforma e modernização, tendo hoje um arcabouço macroeconômico similar ao dos países industrializados. Como resultado, países como Coréia do Sul ou o México, além de outros economicamente menos importantes, foram se juntando ao "clube" original, ampliando o escopo de abrangência do organismo. Hoje a OCDE incorpora um número bastante maior de economias, em relação ao quadro dos anos 80, e a filiação a ela se tornou uma espécie de "selo de qualidade" exposto na vitrine por parte de alguns países emergentes. O acesso à OCDE não é simples, pois exige uma série de contrapartidas. O país deve estar disposto a contribuir para a instituição; contar com uma burocracia pública com quadros que, em determinado número, estejam em condições de passar a integrar o "staff" da OCDE; ter indicadores macroeconômicos positivos; e dispor de estatísticas que possam se integrar ao sistema de acompanhamento de dados do organismo, reconhecidamente um dos melhores do mundo. Ocorre que o Brasil, atualmente, se encontra em condições de passar pela maioria desses testes de "elegibilidade". De certa forma, ingressar ou não na OCDE, hoje, pela primeira vez, depende essencialmente de nós mesmos.

A entrada na OCDE iria contribuir favoravelmente para Brasil conseguir, até 2010, o tão almejado "grau de investimento"

Evidentemente, há toda uma série de rituais a serem seguidos e nada disso ocorre em pouco tempo. Ninguém está pensando, portanto, que o Brasil entre na OCDE em 2005. Há um pedido a ser feito, requisitos formais a serem preenchidos e uma aceitação a ser negociada junto aos membros do bloco. Não é, portanto, um processo trivial. Trata-se, porém, de um passo que poderia - e, pessoalmente, julgo que deveria - ser tentado no decorrer da segunda metade da década. Por exemplo, iniciando em 2005/2006 os estudos, de modo a poder pleitear o acesso em 2007 ou 2008 e conseguir o ingresso em 2009. Certamente, um passo assim contribuiria favoravelmente no sentido de o Brasil, até 2010, conseguir o tão almejado "grau de investimento", uma vez que tivermos consolidado definitivamente a reputação de um país "normal", com coeficientes de endividamento declinantes, inflação baixa, estatísticas plenamente confiáveis, reconhecimento pela OCDE como um membro do "clube" e, enfim, a certeza de que os problemas e desequilíbrios experimentados pelo país no passado terão ficado para os livros de história. A curto prazo, há um constrangimento a ser vencido, representado pela liderança exercida pelo Brasil no chamado G-20. A princípio, pode parecer contraditório o país procurar liderar um esforço desses países com pleitos típicos dos países em desenvolvimento e, simultaneamente, pleitear o ingresso a um organismo tradicionalmente associado à elite das nações. Essa contradição, porém, é mais aparente do que real. Primeiro, porque a medida que os países amadurecem, é natural que conservem ainda certas características da sua "infância", mas que ao mesmo tempo se credenciem para outro tipo de situações próprias de países "adultos". Segundo, porque a OCDE ampliou muito o universo de países-membros, conforme já foi salientado. Terceiro, porque há membros do G-20 que também estão na OCDE. E quarto, porque o pedido de ingresso na OCDE não seria feito agora, e sim daqui a alguns anos, quando se espera que as negociações internacionais das quais os países do G-20 estão participando tenham chegado a algum desfecho. Em resumo, creio que, como na propaganda da 51, o ingresso na OCDE seria "uma boa idéia". Caberia amadurecer a proposta, conscientizar o governo da conveniência da mesma, debater o assunto publicamente e, se for o caso, dar seqüência ao pedido, daqui a alguns anos. O debate, porém, pode começar agora.