Título: Políticas de estímulo à produção terão R$ 251 bi
Autor: Romero , Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 28/03/2008, Brasil, p. A3

Chama-se "Política de Desenvolvimento Produtivo" a nova política industrial que o governo pretende anunciar nos próximos dias. Ela prevê, segundo apurou o Valor, investimento de R$ 251,6 bilhões, entre este ano e 2010, em 24 setores da economia. Do total a ser aplicado, R$ 210,4 bilhões dizem respeito a recursos do BNDES e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC). O restante virá do orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia e do chamado PAC do setor de tecnologia e informação (TI). Além desses recursos, o governo estuda medidas de desoneração tributária e de depreciação acelerada de investimentos.

A nova política industrial, a segunda do governo Lula em quatro anos, tem metas ambiciosas. A primeira meta, segundo documento obtido com exclusividade pelo Valor, é ampliar a taxa de investimento da economia, medida pela Formação Bruta de Capital Fixo, de 18,6% para 21% do PIB até 2010. Para tanto, o crescimento médio anual da FBCF terá que ser de 11,6%, taxa inferior à que vem sendo obtida nos últimos trimestres. Se isso acontecer, a economia estará investindo em 2010 o equivalente a R$ 604 bilhões - em 2006, investiu R$ 390 bilhões. A ampliação dos investimentos numa velocidade superior à do PIB é, segundo um integrante da equipe econômica, crucial para sustentar taxas de crescimento elevadas nos próximos anos, sem perder o controle da inflação ou gerar problemas no balanço de pagamentos.

A segunda meta é incentivar o aumento, de 0,51% para 0,65% do PIB, no mesmo período, dos gastos do setor privado com pesquisa e desenvolvimento (P&D). Em 2005, as empresas investiram R$ 12,5 bilhões. Se tudo caminhar como o governo planeja, aplicarão em 2010, em P&D, o equivalente a R$ 18,2 bilhões.

A terceira meta global é aumentar de 1,15% para 1,25% a participação do Brasil nas exportações mundiais, o que levaria as vendas anuais a saltarem de US$ 160,6 bilhões, em 2007, para US$ 208,8 bilhões daqui a dois anos. O ritmo de expansão previsto é de 11% ao ano, abaixo do que vem sendo registrado nos últimos anos. A quarta meta é incrementar em 10%, até 2010, o número de micro e pequenas empresas exportadoras. Em 2005, 9.500 pequenas firmas venderam mercadorias e serviços ao exterior.

Enquanto a primeira política industrial da gestão Lula, lançada em março de 2004, visava beneficiar quatro setores (bens de capital, software, fármacos e semicondutores) que poderiam gerar ganhos sistêmicos para toda a economia, o novo plano procura tratar dos problemas e potencialidades de 24 setores. Baseado nisso, o governo decidiu dividir os setores em três tipos de abordagem.

No primeiro, estão os programas "mobilizadores em áreas estratégicas" - saúde, energia, tecnologias de informação e comunicação, indústria da defesa, nanotecnologia e biotecnologia. No segundo, aparecem os "programas para fortalecer a competitividade", ou seja, para ajudar os setores da economia brasileira com potencial de desenvolvimento e crescimento. Nessa categoria, foram listadas 12 áreas: complexo automotivo; bens de capital seriados; bens de capital sob encomenda; têxtil e confecções; madeira e móveis; higiene e perfumaria; construção civil; complexo de serviços; indústria naval e de cabotagem; couro calçados e artefatos; agroindústria e plásticos. "Não se descarta a inclusão de outros setores nessa série", informou um assessor do Palácio do Planalto.

No terceiro grupo, estão os "programas para consolidar e expandir a liderança" de setores onde o Brasil já é forte do ponto de vista internacional: aeronáutico, mineração, siderurgia, papel e celulose, petroquímica e carnes. "A orientação estratégica é promover a ampliação da capacidade, a inovação e a modernização produtiva. Além disso, a idéia é expandir e diversificar a inserção externa brasileira e a integração produtiva com a América Latina", explicou um assessor graduado do governo, acrescentando que a nova política quer descentralizar a produção e incentivar as micro e pequenas empresas.

Além de ambicionar a colocação de empresas e sistemas produtivos brasileiros entre os cinco maiores "players" mundiais, a estratégia do governo é fortalecer os fabricantes nacionais e reduzir a dependência externa, diminuindo o déficit comercial verificado em alguns setores. Um exemplo está no chamado "complexo industrial da saúde". A cadeia produtiva do setor representa algo entre 7% e 8% do PIB, movimentando recursos da ordem de R$ 160 bilhões. Ainda assim, o país depende muito de produtos estrangeiros de maior densidade de conhecimento e tecnologia.

Em 2007, o déficit comercial do setor de saúde atingiu US$ 5,5 bilhões. Com a nova política industrial, governo fixará meta para reduzi-lo a US$ 4,4 bilhões até 2013. Além disso, informou uma fonte, o governo quer que o país desenvolva tecnologia para produção local de 20 produtos estratégicos para o Sistema Único de Saúde. O propósito é também fortalecer, expandir e modernizar a gestão de laboratórios públicos e atrair a instalação, no país, de empresas estrangeiras de pesquisa avançadas tecnologicamente.

No caso de software e dos serviços de tecnologia da informação (TI), setor onde há uma grande distância entre o potencial do país e a realidade, a meta do governo é aumentar em 14 vezes as exportações até 2010, elevando-as de US$ 250 milhões para US$ 3,5 bilhões ao ano. As vendas brasileiras são irrisórias (0,7% do total mundial).

A meta da política industrial é gerar 100 mil novos empregos formais no setor em dois anos, ampliar para 40% a participação de empresas brasileiras de software no mercado interno e criar, no que diz respeito a serviços de TI, dois grupos de tecnologia nacional com faturamento superior a R$ 1 bilhão.

No setor de microeletrônica, uma área sobre a qual especialistas afirmam que o Brasil perdeu o "bonde da história", as principais metas são implantar duas empresas fabricantes de circuitos integrados, envolvendo a etapa de "front-end", e elevar, de sete para dez, o número de "design houses" do programa CI-Brasil. Nessa área, o país amarga déficit de US$ 8,7 bilhões na balança comercial - US$ 5,5 bilhões em componentes eletrônicos e US$ 3,2 bilhões em semicondutores.

O governo quer reduzir também a dependência brasileira dos mostradores de informação ("displays") importados - entre janeiro e outubro de 2007, esse segmento gerou déficit comercial de US$ 1,2 bilhão. A estratégia é substituir, "de forma acelerada", conta um assessor, a tecnologia de "display" utilizada no Brasil - CRTs - por plasma e LCD. O plano é converter o país em plataforma de exportação de grandes fabricantes.

A futura política industrial quer diminuir a importação de equipamentos usados pelo setor de tecnologia da informação e da comunicação (TICs). O déficit comercial nessa área vem crescendo de forma acelerada. Entre janeiro e outubro do ano passado, chegou a US$ 9,3 bilhões. Em 2005, as importações representaram 40% do consumo aparente desses produtos no país. A meta, agora, é reduzir a penetração estrangeira para 30% no caso do complexo eletrônico e para 60% no de componentes eletrônicos.

Na área de telecomunicação, o governo está adotando o programa "Banda Larga para Todos: Infra-estrutura para a Inclusão Digital". Hoje, apenas 13% dos domicílios brasileiros possuem banda larga, sendo que 22% dos lares têm computadores pessoais (PC). A meta do governo é ampliar a presença dessa tecnologia para 25% dos domicílios, até 2010. Além disso, o programa quer garantir, até lá, o acesso à banda larga em todas as escolas públicas, além de dobrar a base instalada de PCs.

O governo tem planos também para a crescente indústria automobilística. Quer que ela aumente a produção de 2,9 milhões de veículos, em 2007, para 4 milhões em 2010 e 5,1 milhões em 2013. A idéia é que o setor aumente as exportações para 930 mil carros e 1,080 milhão, respectivamente, elevando sua participação no mercado mundial de 5,5% para 6,5% no mesmo período.

As discussões sobre a nova política industrial vêm sendo coordenadas pelo MDIC, mas, neste momento, dependem do Ministério da Fazenda para serem anunciadas. O pacote deve ser finalizado após a definição, pela Fazenda, dos cortes no Orçamento de 2008.