Título: Medidas de controle são controversas
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 25/03/2008, Brasil, p. A4

A adoção de medidas para evitar a explosão de demanda em setores da economia em expansão - e a conseqüente alta da inflação acima da meta de 4,5% no ano - é avaliada por economistas como uma decisão prematura. Para os analistas ouvidos pelo Valor, restrição do crédito, aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e aumento na taxa básica de juros (Selic) podem desestimular a atividade em setores que dependem de crédito para se manterem em expansão, sem trazer resultado efetivo sobre a inflação.

Um das fontes de preocupação do governo reside na expansão do setor automotivo, que tem peso de 17% na atividade industrial. O peso de veículos no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) é de 2,9%, e nos últimos 12 meses os preços subiram 2,6%. O efeito no varejo é pequeno, mas a demanda aquecida contribui para sustentar a alta nos preços de produtos siderúrgicos e petroquímicos e é esse efeito sobre a cadeia que preocupa governo e economistas.

O analista Antônio Madeira, da MCM Consultores Associados, não vê com bons olhos iniciativas para restringir o financiamento de automóveis. Para ele, medidas administrativas não são eficazes para controlar o crescimento das operações de crédito. Madeira nota que o mercado pode encontrar caminhos para driblar eventuais restrições aos prazos de empréstimos. Além disso, a expansão do crédito não se restringe a esse segmento. "É verdade que o estoque das operações ligadas a automóveis é grande, representando um terço do total de financiamentos para a pessoa física, mas significaram apenas pouco mais de 10% das concessões de crédito em janeiro."

Madeira considera a forte alta do crédito como um dos motores do crescimento. Fatores como a expansão do emprego e da renda, a elevada confiança do consumidor, o aumento do investimento das empresas e os gastos do governo também empurram a demanda. Nesse quadro, o mais eficiente para esfriar a economia seria aumentar os juros. "É o remédio tradicional nesse tipo de situação." Madeira avalia que a Selic vai começar a subir a partir de meados do ano, encerrando 2008 em 13% - atualmente, a taxa está em 11,25%.

O economista Fernando Rocha, da JGP Gestão de Recursos, também não acredita na eficácia da medida. Para ele, num cenário de excesso de demanda com renda disponível, se o governo dificultar a compra de um bem, os consumidores podem usar o dinheiro para adquirir outros. "Se você fecha um buraco, a água tende a escorrer para outro", diz Rocha.

Ele considera muito forte o ritmo de expansão de financiamentos de veículos, que cresceu 28,7% nos 12 meses até janeiro. E vê a expansão do crédito como um dos sinais de que a demanda avança a uma velocidade elevada. A demanda doméstica (formada pelo consumo das famílias, o consumo do governo e o investimento) aumenta a um ritmo de 7% e as vendas no comércio crescem 10%, ressalta, lembrando que, em janeiro e fevereiro, as importações subiram 55%. Rocha também avalia que haverá alta dos juros para conter a expansão do consumo. Ele aposta que a Selic pode aumentar de 2 a 2,5 pontos percentuais no ano. "É um remédio amargo, que acaba afetando o investimento, mas é o mais efetivo", afirma ele, que prevê uma alta de 4,8% para o PIB em 2008.

Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, tem avaliação semelhante à de Rocha. E pondera que a contenção do crédito pode trazer como efeito colateral a retração da atividade em setores que dependem de financiamento para crescer, como o setor da construção civil. "Medidas setoriais não seriam eficazes e medidas gerais trariam um problema de calibragem. É difícil saber quanto de IOF seria necessário para conter o consumo de forma efetiva em todos os segmentos", afirmou.

Para Vale, a elevação da taxa de juros também pode não ser a melhor solução. Ele observou que, em 2004, os juros foram elevados de 16% para 19,75%, mas o crédito real manteve a trajetória de crescimento. "O ideal seria que o governo reduzisse seus gastos e elevasse o superávit primário"

Francisco Pessoa Faria, economista da LCA Consultores, observa que a inflação medida nos últimos 12 meses tem como fonte de pressão a transferência para o mercado interno de parte da alta das commodities. Ele observa que o uso da capacidade instalada mantém-se estável em torno de 83% há cinco meses e não vê necessidade de medidas de contenção do consumo. "Em 1995, o governo adotou uma série de medidas para conter a tomada de leasing e isso provocou uma queda significativa na atividade. Existe um risco de que isso ocorra novamente", comparou.

Para Denis Blum, da Tendências Consultoria, restringir o crédito pode trazer prejuízos de longo prazo. "Mais à frente o governo pode querer estimular a demanda e terá de mudar as regras de novo. Tantas mudanças prejudicam a confiança das empresas. O descasamento entre demanda e oferta é uma questão de curto prazo. A solução mais conservadora seria elevar a taxa de juros."