Título: Brasil depende do rumo das commodities
Autor: Santos , Chico
Fonte: Valor Econômico, 25/03/2008, Brasil, p. A9

A crise na economia dos Estados Unidos, desencadeada pelos financiamentos ao mercado imobiliário, pode até ser mais longa do que a maioria dos analistas está prevendo, mas o Brasil somente sofrerá conseqüências mais graves se o problema se alastrar para a China e o mercado de commodities "derreter". A frase acima resume as conclusões macroeconômicas do seminário "Cenários da Economia Brasileira e Mundial em 2008", promovido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) com o apoio do Valor e da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan).

A receita para as ações preventivas que o Brasil pode tomar para reduzir os riscos de contaminação. contudo, dividiu o ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central (BC) Alexandre Schwartsman e o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Bernard Appy. Schwartsman buscou demonstrar, com gráficos, que o aquecimento da demanda doméstica, que pode gerar gargalos na capacidade produtiva, está correlacionado com os gastos do governo, concluindo que "para reduzir a demanda doméstica basta usar a política fiscal".

Na sua palestra, que se seguiu à do economista - agora no banco ABN Amro -, Appy disse que a discussão do problema fiscal é importante, mas acrescentou que ela "não pode ser feita de forma fundamentalista" e acrescentou que a estrutura fiscal "não é o grande impeditivo para a continuidade da trajetória de crescimento da economia brasileira". Ele admitiu, no entanto, que entre as questões estruturais que precisam ser enfrentadas para melhorar o perfil da economia brasileira está a estrutura dos gastos do governo.

Primeiro a falar, o também ex-diretor do BC e hoje sócio-diretor da Ciano Investimentos, Ilan Goldfajn, disse que os Estados Unidos devem passar por uma recessão que, no seu modo de ler os indicadores, não será restrita aos dois primeiros trimestres deste ano, como estão prevendo os analistas. "Está desenhando-se nos Estados Unidos um período de recessão mais longo, maior do que se pensa", afirmou.

Goldfajn destacou que a gravidade da crise pode ser avaliada por fatos como o de ser a primeira vez que o Federal Reserve (Fed), o BC americano, "está dando dinheiro direto para corretoras e banco de investimentos". Segundo ele, "se ainda não se vê sangue, vê-se o hospital", acrescentando que "as ambulâncias estão andando para um lado e para outro".

O economista mostrou-se preocupado com as "assimetrias" de comportamento entre os BCs dos países ricos, com os Estados Unidos praticando juros negativos como remédio para combater o gelo (recessão) enquanto na Europa os juros são mantidos elevados (4% ao ano) porque a preocupação maior ainda é com a inflação.

Goldfajn afirmou que a recessão americana vai se alastrar para a Europa e para o Japão, mas confessou não saber se o fenômeno chegará à China, caminho pelo qual a crise se alastraria para os preços das commodities. "Se atingir as commodities, atinge o Brasil", disse. Os riscos de contágio, de acordo com os estudos do diretor da Ciano, são diferentes para cada país ou região.

Na Europa, a cada 1% de variação do PIB americano, o PIB varia 0,22%. No Japão, a relação é de 0,54% para cada 1% no PIB americano. Já com a China, a relação é diferente. A cada 1% de queda do PIB dos Estados Unidos, as exportações chinesas recuam 2,3%. Como, segundo Schwartsman, as exportações representam apenas 15% da economia chinesa, o efeito tende a não ser expressivo. "Por enquanto, eles (os chineses) estão mais preocupados com a inflação", disse Goldfajn, para quem o impacto da recessão americana também não deve resultar numa crise no Brasil.

Schwartsman também minimizou os riscos da desaceleração americana para a economia brasileira e disse que o PIB do Brasil vai reduzir seu crescimento dos 5,4% de 2007 para cerca de 4,5% este ano, o que estaria mais adequado diante da taxa de investimento do país, hoje de 17%.. "Não é o principal risco (a recessão americana). O risco maior que vejo (para o Brasil) é o das commodities", afirmou.

O economista do ABN Amro disse que uma eventual queda drástica dos preços das commodities, que representam dois terços das exportações brasileiras, reduziria a capacidade do país para importar e, conseqüentemente, para manter a demanda doméstica crescendo sem pressões inflacionárias significativas.

Appy disse que "o Brasil está hoje bem menos vulnerável a uma crise internacional" porque tem "solidez macroeconômica, crescimento inclusivo (redução da pobreza) e equilibrado" e já fez "mudanças estruturais". Para Appy, o crescimento brasileiro é sustentado porque está baseado no crescimento da taxa de investimento e no aumento da produtividade. Mas ele destacou a necessidade de ampliar a eficiência da economia com medidas como a reforma tributária e o aumento dos investimentos em infra-estrutura