Título: A polêmica da hora
Autor: Rothenburg, Denise
Fonte: Correio Braziliense, 14/02/2011, Política, p. 4

A sigla do novo partido de Kassab, PDB, soa como "partido da boquinha". Sem ideologia, é apenas um buraco para que ele concorra ao governo de São Paulo e junte oposicionistas interessados em se aproximar da presidente Dilma

Alguns assuntos são recorrentes em todo o início de governo. Desta vez, chegam com força a janela partidária e a formação de um novo partido. Nós que escrevemos sobre política ainda vamos gastar muito papel e horas de trabalho discutindo esses dois temas tratados a todo vapor nos bastidores. E, mais uma vez, a temperatura está quente em São Paulo e no DEM.

O que faz crescer a musculatura do projeto de um novo partido é um conjunto de interesses. E, no momento, dois deles convergem nesse projeto de Gilberto Kassab: o projeto do próprio Kassab de alçar voo fora da sombra do PSDB e a ansiedade da parte do democratas doida por uma justificativa nobre para pular do barco oposicionista e arrumar uma boquinha na gestão Dilma Rousseff. Podem apostar que, daqui para frente, vão surgir kassabistas de todos os quatro cantos sonhando com o tal Partido Democrático Brasileiro, PDB ¿ não é que a sigla serve perfeitamente a ¿partido da boquinha¿?!

Atualmente, não se funda um partido porque os interessados têm um projeto de Brasil diferente daquele que pregam seus partidos de origem. Nada disso. É sempre um sujeito de olho num projeto político pessoal e mais uma meia dúzia interessada em se fortalecer para ir se oferecer ao governo.

Kassab está terminando seu segundo mandato de prefeito. Chegou ali por obra e graça de José Serra. Disse ao governador de Pernambuco, Eduardo Campos, na semana passada, que só não disputará o governo estadual se o candidato for Serra. Um gesto de gratidão ao padrinho. Fora isso, lá vai Kassab, lépido e fagueiro rumo ao horário eleitoral concorrer contra o tucano Geraldo Alckmin, um petista e quem mais chegar ¿ ou alguém aí pensa que o PT não lançará um candidato ao governo paulista e se dedicará de corpo e alma à campanha de Kassab só porque ele fundou um novo partido e enfraqueceu ainda mais o combalido DEM?

O próprio DEM, que observava a folia de Kassab com partidos adversários meio de relance, resolveu ter com ele aquela conversa olho no olho: Se o prefeito paulista quiser sair do partido, tudo bem, mas provocar estragos, aí não. Não duvido que o DEM vá a Justiça para mostrar que Kassab não está formando um novo partido e sim se utilizando uma brecha na lei para sair de onde está. Até porque esse novo partido que Kassab planeja formar não tem ideologia. Vale a pena repetir o que foi dito acima: a ideologia no partido é buscar um lugar para Kassab concorrer ao governo de São Paulo sem ser incomodado pela fidelidade partidária. E, por tabela, dar abrigo a quem deseja se aproximar de Dilma. E tudo isso para, ali na frente, buscar uma fusão com o PSB. Ora, ora: é novo partido ou escadinha para fugir do cercadinho oposicionista?

Se Kassab formar mesmo um novo partido, tem que ser logo, a fim de fazer o sucessor na prefeitura paulistana. Afinal, ficar dois anos flanando por aí sem mandato pode ser perigoso para seus planos políticos. Na hipótese de eleger um prefeito aliado, ele sempre poderá ser convidado para uma solenidade de inauguração de obra, de lançamento de pedra fundamental, e lá vai, de forma a ficar na mídia. A história está recheada de ex-prefeitos que eram bem avaliados mas, fora do palco político, não chegaram depois ao governo do estado.

No caso desse projeto de novo partido começar a fazer água, restará a Kassab esperar pela tal janela partidária, um dispositivo para permitir uma reacomodação de forças políticas sem punições por infidelidade. Desta vez, essa ideia surge encorpada pela quantidade de parlamentares desconfortáveis em suas legendas e disputas internas, como as do PSDB, onde Serra e Aécio, ao que tudo indica terão dificuldades em fechar uma candidatura única a presidente da República. Até porque hoje os dois não têm nada a perder disputando a Presidência. Serra está sem mandato mesmo e Aécio é senador por 8 anos, o que lhe permite ser candidato em 2014 sem problemas.

Diante de tantas manobras e engarrafamentos na primeira fila da política, falta só combinar com o eleitor, especialmente, o de São Paulo, onde os políticos estão mais assanhados nos projetos futuros. Afinal, a turma deles vai, discute novo partido, reúne dali, tenta se aproximar do governo acolá e¿ na hora do voto, vem Tiririca. É, pois é.