Título: Sinais de inflação maior inquietam o governo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 25/03/2008, Opinião, p. A18

A possibilidade de um repique inflacionário, impulsionado por um crescimento acelerado da demanda, coloca pela primeira vez no governo Lula a possibilidade de medidas para deter o consumo que não dependem de ações diretas do Banco Central. A principal iniciativa até agora partiu do ministro da Fazenda, Guido Mantega, que já afirmara que poderia "jogar um pouco de água na fervura" do consumo e que a expansão do crédito está um pouco acima do que seria, em sua opinião, desejável. Pode não ser desta vez que reine a harmonia entre Fazenda e Banco Central na atual administração, mas as chances de que o combate a eventuais aumentos da inflação não fiquem apenas nas costas das autoridades monetárias é, pelo menos, um bom sinal.

A Fazenda acena com a possibilidade de estancar o movimento de ampliação de prazos para financiamento às pessoas físicas, responsável por adequar a renda disponível ao valor de prestação de uma série de bens de consumo antes inatingíveis pela massa da população. A atenção maior da Fazenda se dirige para a indústria automobilística, que vem batendo recordes atrás de recordes e se aproxima rapidamente da capacidade máxima da produção. Um freio na expansão do crédito para o setor pode eventualmente corrigir gargalos, mas seu impacto sobre o índice de inflação tende a ser modesto. Tudo depende da natureza da inflação e de onde estão seus focos principais.

Os preços dos alimentos estão puxando a inflação para cima há um bom tempo. Parte da atual inflação é "importada", pois soja, trigo e, em alguma medida, o milho, são itens com preços dolarizados e determinados pelo mercado internacional. Contra esses aumentos taxas de juros eventualmente mais altas ou corte de crédito nada resolveriam. Uma análise dos índices de preços no atacado indicam alguma aceleração para os produtos industriais (6,2% nos últimos doze meses encerrados em fevereiro, segundo o IGP), embora ela seja bastante inferior à dos bens agrícolas (23,89% no mesmo período). Os preços dos bens industriais no atacado evoluíram 4,42% em 2007, abaixo dos 7,89% do IGP-DI e bem abaixo dos 24,82% registrados pelos agrícolas.

No último dado disponível, do IGP-M do segundo decêndio de março, a tendência prevalece. Os produtos agrícolas subiram 25,59% e os industriais, 6,64%. A pressão dos bens agrícolas pode declinar com a entrada da safra ou pelo recuo de cotações internacionais, que já se esboça com o esfriamento da economia americana e seus reflexos globais.

Um ambiente de demanda superaquecida teria de levar ao repasse quase integral dos preços do atacado para o varejo. Um exame dos índices de preços do varejo não é conclusivo a este respeito. A variação dos bens comercializáveis do IPCA nos últimos seis meses não mostram nenhuma aceleração, mas apenas um pico isolado de 1% em dezembro. A valorização do real e um aumento de importações que avança a ritmo superior a 50% em janeiro e fevereiro não dão espaço para pressões inflacionárias de bens para os quais há a possibilidade da oferta externa competitiva. A questão muda de figura com os bens não comercializáveis, onde se enquadram os serviços. Neste caso há uma nítida mudança de patamar a partir de agosto, e uma sequência quase ininterrupta de aumentos desde setembro (com exceção de novembro, onde a variação foi de 0,64%, abaixo da do mês anterior, de 0,81%). No último bimestre, a inflação destes itens rompeu a barreira do 1% ao mês.

Os próximos meses serão decisivos para que se defina o cenário da inflação. A bolha dos alimentos deve desinchar, situação em que seria possível acomodar a elevação dos preços de bens não comercializáveis à meta de inflação, sem necessidade de elevar juros. Se isso não acontecer, é pouco provável que restrições setoriais, e não gerais, ao crédito sejam relevantes. Neste caso, ou o BC usa a margem de 2 pontos acima do centro da meta - e ele já deu mostras suficientes de que não fará isso - ou os juros, hoje os mais elevados do mundo, subirão, tendo como efeito colateral valorizações adicionais do real, dada a crescente diferença entre taxas de juros interna e externa.