Título: Conta de consumidores pode subir até R$ 2,8 bi
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 26/03/2008, Brasil, p. A3

O aumento recorde dos preços de energia elétrica no início do ano, em função do atraso na chegada das chuvas e do fantasma de um novo racionamento, deixou aos consumidores uma conta em torno de R$ 450 milhões só em janeiro. Essa conta deverá subir para R$ 2,8 bilhões até o fim do ano e poderá ser repassada aos consumidores do mercado cativo das distribuidoras, segundo as regras do setor, pressionando os reajustes de suas tarifas.

A estimativa da Abradee, a associação das distribuidoras de energia, é que as concessionárias estão com uma "exposição involuntária" de cerca de 1,2 mil megawatts (MW) médios ao longo de 2008 - quase o equivalente à potência da usina nuclear Angra 2. Ou seja, a oferta de energia aos consumidores cativos é 1,2 mil MW menor do que a demanda contratada junto às geradoras.

Para atender ao mercado, as distribuidoras precisam recorrer ao mercado "spot", de compra de energia à vista. No mercado de curto prazo, o valor da energia alcançou o máximo de R$ 569,59 por megawatt-hora (MWh) no fim de janeiro, quando se acenderam os temores de um racionamento, por causa da queda no volume de água dos reservatórios das hidrelétricas. Nas últimas semanas, com as fortes chuvas, o preço da energia recuou bastante, mas ainda está em R$ 80,48/MWh - mais de quatro vezes o valor do mesmo período do ano passado.

A conta de aproximadamente R$ 450 milhões em janeiro é resultado da exposição das distribuidoras ao mercado de curto prazo por três fatores, segundo a Abradee. O primeiro deles é o atraso - principalmente de usinas eólicas - nas obras do Proinfa, o programa de incentivo à geração de fontes alternativas, que previa a transferência de 750 MW médios pela Eletrobrás em 2008. Desse volume, 75% iria para as distribuidoras, que não puderam contar com essa energia.

Além disso, foi retirada a oferta de 700 MW médios de energia importada da Argentina, que vive a sua própria crise doméstica e cortou o fornecimento. As distribuidoras Copel, do Paraná, e Ampla, do Rio, são as maiores prejudicadas, pois tinham contratos diretos com a Cien, companhia responsável pela interconexão com a Argentina, mas o corte no abastecimento também afeta indiretamente outras concessionárias, que compram de geradoras como Furnas e Tractebel - essas, por sua vez, importavam do país vizinho.

Por fim, a cota de energia adquirida da usina binacional de Itaipu foi redistribuída e resultou em desequilíbrio para algumas concessionárias. É um jogo de soma zero, com a cota retirada de uns sendo repassada a outros, conforme explica o diretor técnico e regulatório da Abradee, Fernando Maia, mas seis distribuidoras ficaram descobertas: Cemig (MG), Light (RJ) e Escelsa (ES), além das paulistas Eletropaulo, Bandeirante e Piratininga.

Essa conta chegará a R$ 2,8 bilhões, se o preço da energia no mercado "spot" ficar em R$ 250 por megawatt-hora, na média de 2008, segundo cálculos da Abradee. "É um valor alto, mas não inverossímil", afirma Maia. Em janeiro e fevereiro, o valor médio foi de R$ 502 e R$ 200, respectivamente. Apesar da queda nas últimas semanas, o preço deve voltar a subir durante o período seco.

Do ponto de vista das distribuidoras, não há prejuízo contábil, já que o repasse está previsto nos casos de exposição involuntária. Uma preocupação das empresas é com as perdas financeiras, já que o repasse às contas de luz só sai meses depois do aumento de custos. A maior fonte de dor-de-cabeça, no entanto, diz respeito ao relacionamento com os consumidores. Com reajustes maiores das tarifas, pode haver crescimento da inadimplência e do furto de energia. No mínimo, há um dano à imagem da distribuidora, que é apenas a ponta da cadeia, mas com quem o consumidor se relaciona diretamente e manifesta sua insatisfação.

Para efeitos de combate à inflação, o quadro energético coloca desafios ao Banco Central, que prevê alta de 1,1% dos preços de eletricidade, segundo a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). Em março, houve um primeiro sinal do estrago que a exposição involuntária das distribuidoras ao mercado de curto prazo pode causar às tarifas. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) autorizou a Ampla a fazer um reajuste de 10,88% nas tarifas residenciais. Ela tinha um contrato de fornecimento com a Argentina, que foi suspenso. Para repor a energia perdida, a Ampla recorreu ao mercado "spot", pagando o preço máximo em janeiro. Sem isso, o reajuste teria sido de 4,1%.

A conta de R$ 2,8 bilhões pode ficar ainda maior, porque ainda não leva em conta o acionamento constante, neste ano, das usinas térmicas - mais caras do que as usinas hidrelétricas. Elas foram ligadas já no período chuvoso para economizar água dos reservatórios, mas também vão encarecer o valor da energia. Algumas térmicas têm um custo fixo, como um automóvel para alugar que está sempre à disposição do cliente, e um custo adicional no momento em que são acionadas.

Segundo o diretor da Abradee, 560 MW médios de usinas térmicas foram contratados dessa forma no leilão de energia nova de 2006, com entrega da energia a partir de 2008. Desligadas, elas custam R$ 60/MWh. Uma vez acionadas, esse valor sobe para cerca de R$ 440/MWh, de acordo com Maia. É como se fosse o custo adicional de colocar combustível - geralmente óleo diesel - no carro que estava à disposição. Esse acréscimo entra nos custos não-gerenciáveis das distribuidoras e depois é repassado aos consumidores, no momento dos reajustes autorizados pela Aneel.