Título: Para Fiesp, Mercosul deve deixar de lado pequenas questões
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Fonte: Valor Econômico, 26/03/2008, Brasil, p. A5

"Não percamos tempo com pequenas questões. Não deixemos que setores que representam menos de 1% do comércio tomem conta da agenda". O apelo foi feito pelo presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, ao se dirigir a Juan Carlos Lascurian, presidente da União da Indústria Argentina (UIA). Ele se referia aos contenciosos entre Brasil e Argentina em setores como automotivo, têxtil, calçados, eletrodomésticos, entre outros. Os dois participaram ontem da abertura de uma rodada de negócios em São Paulo, que previa a realização de 400 encontros entre empresários dos dois países.

Skaf afirmou que os maiores países do Mercosul devem se preocupar com problemas externos, como a invasão de produtos chineses, a crise financeira nos EUA ou a estagnação da Rodada Doha. "O que não falta é assunto para tratamos unidos", disse. "Gastamos muito mais energia entre nós do que deveríamos". Pouco antes, ao discursar, Lascurian havia dito que o mercado regional é uma "grande oportunidade", mas que era necessário "encontrar uma forma de associação entre Brasil e Argentina que traga um comércio mais equilibrado em valor agregado".

Esses foram os únicos comentários críticos na abertura da rodada de negócios que trouxe cerca de cem empresários argentinos ao Brasil e contou com a participação de representantes dos governos e líderes empresariais. Conforme o Valor apurou, até mesmo a reunião reservada, realizada antes da abertura do fórum, deixou de lado temas polêmicos, como a renovação do acordo automotivo, as dificuldades na importação de trigo ou a disputa pelo gás da Bolívia.

Durante todo o evento, o tom de conciliação predominou entre os representantes industriais dos dois países, que têm histórico de desentendimentos. O motivo das divergências é o comércio bilateral, favorável ao Brasil. Em 2007, o superávit do Brasil com a Argentina chegou a US$ 4 bilhões, US$ 321 bilhões acima de 2006. A maior parte do saldo é resultado de vendas de produtos industrializados.

O secretário-executivo do Ministério das Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães, reafirmou que a Argentina é a principal parceira estratégica do Brasil. "O Brasil está na América do Sul e não pode centralizar sua política externa em outra região", disse o embaixador, fazendo referência velada às críticas do setor privado de que o Itamaraty não prioriza as relações com países ricos, como EUA e União Européia. Pinheiro Guimarães enfatizou que a região deve permanecer unida, porque está se formando "uma grande zona econômica" na América do Norte, com os acordos dos EUA com os países caribenhos, Peru, Colômbia e Chile.

O ministro das Relações Exteriores da Argentina, Jorge Taiana, defendeu que a associação com o Brasil tem caráter estratégico no plano bilateral e global. Para ele, a integração dos dois países não deve ser apenas comercial, mas também da infra-estrutura física e energética. Para afastar os temores dos investidores brasileiros com falta de energia ou aumento da inflação, garantiu que "o crescimento da Argentina é sustentável, apesar da crise nos mercados financeiros".

Outra tema espinhoso para brasileiros e argentinos é a negociação comercial. Segundo fontes ouvidas pelo Valor, o Brasil está disposto a fazer concessões para obter um acordo na Rodada Doha ou com a União Européia. Já a Argentina estaria dificultando as negociações, por conta da política para recuperar seu parque industrial. Segundo Rubens Barbosa, do Conselho Superior de Comércio Exterior da Fiesp, a entidade apóia a conclusão de Doha desde que haja reciprocidade. Para Taiana, é preciso não desviar o conteúdo de Doha. "É uma rodada do desenvolvimento e o esforço dos ricos deve ser maior."