Título: Brasil minimiza influência de Chávez na região
Autor: Leo , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 26/03/2008, Internacional, p. A13

Do Peru ao Uruguai, o governo brasileiro recolhe exemplos da interferência do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, em assuntos da região. E esses exemplos, na avaliação de diplomatas graduados no governo, mostram que a real influência de Chávez no continente é bem menor do que a propaganda feita em torno dela pelo próprio venezuelano e por seus opositores - ele, para valorizar sua presença no cenário internacional; os adversários, para reforçar os argumentos que o apresentam como uma ameaça à estabilidade da região.

Sinais da presença da Venezuela em assuntos internos dos vizinhos são informados regularmente a Brasília, como a ação da embaixada venezuelana em La Paz, que distribui cheques assinados pelos representantes de Chávez à população carente no país - que os diplomatas venezuelanos comparam às ações sociais promovidas pelas agências dos EUA, como a USAID.

Também não é segredo a compra de títulos do governo da Argentina e do Uruguai pela Venezuela, sem que, no entanto, obtivesse alinhamento automático desses países em suas iniciativas regionais. A única ação de Chávez que se admite no governo causar preocupações em alguns setores é sua política de compra de armamentos, que nos ambientes militares é vista como possível foco de tensão no continente.

Mesmo em conversas reservadas, quando solicitados a comentar a crescente interferência de Chávez na vizinhança do Brasil, os diplomatas, de vários setores do Itamaraty, repetem a mesma lista de insucessos do venezuelano, na tentativa de exercer influência, seja por manifestações políticas ou ajuda financeira, apoiada nas divisas geradas pelo petróleo, principal fonte de renda da Venezuela.

Fazem parte dessa lista a derrota eleitoral do candidato esquerdista à Presidência do Peru, Ollanta Humala, que, no final da campanha eleitoral, no ano passado, até renegou o apoio de Chávez; a decisão do presidente boliviano, Evo Morales, de apelar para a Petrobras por investimentos que a estatal venezuelana PDVSA é incapaz de oferecer; a incapacidade de ampliação da associação lançada pelo venezuelano, a Aliança dos Povos da América (Alba), composta apenas por Cuba, Nicarágua, República Dominicana e Venezuela, e que até agora ficou sem o Equador do aliado Rafael Correa, insistentemente convidado a ingressar no grupo.

Chávez é maior no discurso que na ação prática, argumentam integrantes do governo brasileiro, que apontam a Bolívia como o exemplo mais flagrante das limitações do fôlego venezuelano para exercer ascendência sobre o governo local. Para o governo Lula, a eleição de Morales e a atuação do governo boliviano devem ser atribuídas exclusivamente às condições particulares da Bolívia e de suas forças políticas internas - ainda que a oposição boliviana acuse Chávez de influir no governo e de ter enviado venezuelanos como assessores nas Forças Armadas da Bolívia.

Em março de 2006, autoridades bolivianas disseram que Chávez usaria o estatal Banco Industrial de Venezuela para comprar um grande banco boliviano e oferecer microcrédito e financiamento a cooperativas. A notícia nunca se concretizou, assim como espalhafatosos anúncios, feitos pelo próprio Chávez, que chegaram a gerar esperanças das autoridades bolivianas.

Em maio de 2006, poucos dias após a decretação da nacionalização do setor de gás pelo governo boliviano, Chávez encontrou-se com Morales e anunciou que a Venezuela investiria US$ 1,5 bilhão na Bolívia, em projetos conjuntos de prospecção e exploração de gás, mineração e fertilizantes. Quase dois anos depois, nada saiu do papel, como, aliás, já previam diplomatas brasileiros, com base nas indicações de perda de competitividade e lucratividade da estatal venezuelana PDVSA, a principal parceira oferecida por Chávez nos contratos com a Bolívia. Se as promessas levaram Morales a endurecer nas negociações com as petroleiras, já no ano passado o governo boliviano mudava de tom, até chegar, recentemente, a reaproximar-se da Petrobras, para pedir investimentos no país.