Título: PT joga na defensiva para impedir aliança em Minas
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 26/03/2008, Opinião, p. A14

Longe de ser uma demonstração de força, a decisão da liderança do Partido dos Trabalhadores de submeter à Executiva Nacional a decisão sobre coligações municipais é uma estratégia defensiva da máquina partidária. O pomo da discórdia é a aliança de Fernando Pimentel, prefeito petista de Belo Horizonte com o governador de Minas Gerais, o tucano Aécio Neves, em torno da candidatura à prefeito de Márcio Lacerda, do PSB. Já houve dezenas de uniões eleitorais deste tipo antes e novas estão a caminho. O que incomoda o PT, mais do que princípios e programas, é o fato de que ele corre o risco de, sendo o partido do presidente Lula, não ter grande influência na sucessão presidencial.

A estrela de Lula ofuscou o surgimento de verdadeiras lideranças nacionais do partido com cacife eleitoral para disputar a Presidência. Dono de um formidável apoio popular, Lula descolou-se há algum tempo do PT e quer ser o árbitro máximo, quase exclusivo, de sua própria sucessão. Ao lançar pontes em direção ao presidenciável Aécio Neves, ele está, na pior das hipóteses, manobrando politicamente até mesmo para escolher qual "adversário" prefere ter nas urnas contra as forças governistas em 2010. E, claramente, buscando erodir as chances do governador José Serra empunhar a candidatura tucana à presidência. Há mais cartas na manga do presidente, como Ciro Gomes (PSB) e até mesmo a saída tecnocrata, pouco plausível, da ministro-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. É lógico que, como estão as coisas agora, um candidato do PT - o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, pode ser um deles - é apenas uma opção entre outras para o presidente Lula, e provavelmente não a principal.

Desde quando José Dirceu era o líder incontestável da máquina partidária que as correntes majoritárias do PT fizeram a sua opção preferencial pelo PMDB e pela vitória a qualquer preço, uma escolha que acelerou o estágio avançado de desfiguração programática do partido. Os líderes petistas podem jurar de pé juntos, e em coro, que desavenças incontornáveis os separam do PSDB, mas elas não são maiores que as que existem entre o PT e o PMDB. E na atuação política prática, longe dos princípios, a aproximação com o PMDB e legendas de aluguel da base governista, originou o mensalão e consolidou grupos que, no partido, já haviam se desvencilhado de programas, buscando apenas o poder pessoal, e que não se curvavam diante de barreiras éticas ou quaisquer outras para consegui-lo.

Assim, no PT, a fórmula para a sucessão de Belo Horizonte se choca com a fórmula petista da sucessão paulistana, onde Marta Suplicy já escolheu o PMDB de Quércia para companheiro de chapa. Da mesma forma, a solução eleitoral tucana para São Paulo, simetricamente, não bate com a solução do tucano Aécio para Belo Horizonte. É certo que as eleições municipais têm suas próprias peculiaridades e, com a economia em crescimento e o prestígio alto do presidente Lula, não representarão um plebiscito sobre a gestão do atual incumbente. Também é inegável que o domínio das cidades de maior eleitorado são vitais para os pré-candidatos à Presidência dos partidos e, mais ainda, para a vitória na corrida ao Planalto. As eleições de 2008 são ensaio para as de 2010 e por isso as estratégias começam a se diferenciar.

O caminho de Aécio parece claro. Sem o presidente Lula na disputa, vence quem não se chocar contra a herança lulista - o vencedor terá coloração de centro-esquerda e neste caso tanto ele quanto Serra estão provavelmente de acordo. Aécio, porém, quer capitanear para sua plataforma inclusiva a própria base de esquerda que elegeu Lula, ou partes significativas dela, e já começou a atrair para seu lado não apenas o PSB de Ciro Gomes, como Fernando Pimentel, que não é um radical petista, é bom administrador e bom de voto - características que também se prestam para descrever o governador de Minas. Aécio deixará de lado o ex-PFL, hoje DEM, uma aliança do passado. Serra parece ter mantido a velha aliança e pode até dar aos ex-pefelistas o que nunca tiveram - votação expressiva em São Paulo, para derrotar a facção de Alckmin na disputa interna. Aos poucos o baralho eleitoral de 2010 começa a ser jogado - e o PT está com cartas fracas nas mãos.