Título: Um equívoco de R$ 300 milhões
Autor: Brandão , Luiz Eduardo ; Saraiva , Eduardo
Fonte: Valor Econômico, 26/03/2008, Opinião, p. A14

No início deste ano, o presidente do Departamento Nacional de Infra-estrutura (DNIT) anunciou que o governo irá investir R$ 300 milhões na pavimentação da BR-163, que liga a região Centro-Oeste ao porto de Santarém . Considerando que o custo da pavimentação da BR-163 foi estimado pelo próprio DNIT em mais de 2 bilhões de reais, é de se supor que estes 300 milhões anunciados são apenas um paliativo e que a solução definitiva desta obra foi adiada mais uma vez.

Com estes recursos e o apoio da iniciativa privada, o governo poderia promover a construção completa dos 1.537 km da estrada no seu trecho prioritário entre Nova Mutum (MT) e Santarém (PA), conforme artigo destes autores publicado na última edição da revista Pesquisa e Planejamento Econômico do Ipea . Este artigo se baseia na experiência internacional que oferece um amplo menu de alternativas mais eficientes e baratas para o governo viabilizar a construção de rodovias, e na aplicação de novas metodologias para avaliação de risco e opções em concessões públicas.

Primeiramente, a experiência mostra que os ganhos de eficiência da participação privada na construção são grandes, além de ser mais eqüitativo e econômico que, tanto possível, a BR-163 seja financiada através de pedágios por meio de uma concessão à iniciativa privada. Deste modo, o custo recai sobre os usuários que se beneficiam diretamente da estrada ao invés de toda a população que paga imposto no Brasil, e a situação fiscal da União não é comprometida.

Por outro lado, a tentativa anterior de realizar uma concessão para a BR-163 falhou em despertar o interesse das empresas privadas . Isso se explica se considerarmos que as estimativas de receita da concessão dependem de projeções do tráfego futuro que são incertas, e como tipicamente uma concessão tem prazo de 25 anos, erros significativos nas projeções podem levar a resultados catastróficos. Embora esse seja um problema comum em qualquer concessão rodoviária, na BR-163 é mais crítico devido ao caráter pioneiro desta rodovia. É provável, portanto, que a iniciativa privada não tenha se interessado pela concessão, não porque o projeto seja inviável, mas porque é muito arriscado, o que indica que alguma forma de apoio governamental que reduza o risco para o investidor privado será necessário para viabilizar a obra.

Este apoio pode ser concedido de diversas maneiras, desde uma extensão do prazo da concessão, um aporte a fundo perdido ou ainda uma garantia de retorno do capital investido, forma muito utilizada à época do Império. Cada uma dessas formas tem impactos distintos na redução de risco do projeto e diferentes custos para o governo, e a escolha ótima irá depender das características de risco e retorno do projeto em análise. O custo/benefício de cada alternativa pode ser avaliado através de modelos matemáticos que simulam os diversos cenários futuros possíveis.

-------------------------------------------------------------------------------- A garantia de tráfego, ao contrário da garantia do investimento, tem a vantagem de retirar parte do risco do projeto --------------------------------------------------------------------------------

Uma das formas de redução de risco para o investidor privado é a concessão de um seguro onde o concessionário recebe uma compensação se o tráfego for menor do que um valor mínimo pré-estabelecido. Os nossos estudos indicam que a concessão de uma garantia limitada do tráfego previsto seria suficiente para tornar o investimento na BR-163 atraente para o setor privado. A garantia de tráfego, ao contrário da garantia do investimento, tem a vantagem de retirar parte, mas não todo o risco do projeto, fazendo com que o concessionário privado mantenha o incentivo para ser eficiente.

O nível ótimo da garantia é função do grau de redução de risco desejado. Os resultados para o caso da BR-163 indicam que não são necessários altos níveis de garantia para que o projeto se torne viável, uma vez que uma garantia de 70% do tráfego projetado é suficiente para dobrar o lucro privado esperado do projeto, enquanto que uma garantia de 80% triplica este valor. Cabe ressaltar que estes níveis não eliminam a possibilidade de prejuízo na concessão, apenas reduzem a probabilidade disso acontecer, reduzindo o risco do projeto.

Por outro lado, a concessão de garantias tem um custo e deve ser analisada com cautela, pois a sua concessão indiscriminada pode criar um passivo futuro substancial para o poder público. Além disso, podem também ser estabelecidos tetos para o desembolso total do governo de forma a limitar o seu passivo futuro a um valor pré-estabelecido. No caso da BR-163, uma garantia de 70% tem um custo esperado para o governo de R$ 171,1 milhões, enquanto que uma garantia de 80% tem um custo médio de R$ 352,4 milhões. Estes valores mostram que se os R$ 300 milhões anunciados pelo governo fossem utilizados para custear as garantias, seriam suficientes para construir todo o trecho entre o Mato Grosso e Pará.

O estabelecimento de limites máximos para o nível de comprometimento financeiro do governo no projeto pode ser uma alternativa aceitável para todas as partes envolvidas. Isso permitirá que o governo federal e o governo estadual alavanquem a sua capacidade de investimento, redirecionando recursos escassos do financiamento do investimento em infra-estrutura pública para a concessão de um conjunto limitado de garantias, desde que sejam tomadas algumas precauções na seleção do portfólio de projetos do governo. Alternativamente, poderia ser fixado um valor para a tarifa, e os lances dos interessados deveriam informar a garantia de tráfego exigida, vencendo a licitação a empresa que pedisse a menor garantia.

O Brasil necessita de soluções que possam efetivamente potencializar o desenvolvimento da região Centro-Oeste. Como foi disponibilizado o montante de R$ 300 milhões para uma pavimentação que terá que ser refeita dentro de pouco tempo, porque não ousar e com o valor um pouco maior e conceder a BR-163 para iniciativa privada construir, manter e operar essa importante rodovia. O Centro-Oeste e o Brasil merecem mais projetos de infra-estrutura.