Título: Empresas descartam alta da inflação, mas vigiam commodities
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Fonte: Valor Econômico, 26/03/2008, Especial, p. A16

A inflação voltou a ocupar espaço no dia-a-dia dos empresários e algumas indústrias têm adotado medidas para mitigar pressões de custos. O risco de um aumento de preços este ano, contudo, está diretamente associado à alta das commodities e não reflete um excesso de demanda, segundo relato de empresários que ontem receberam o prêmio Executivo de Valor 2008, em solenidade realizada no bufê Rosa Rosarum. Para esses empresários, o governo deve evitar medidas para conter o consumo e a alta de juros também não é necessária. Até porque, informam, os investimentos com foco em ampliação da capacidade produtiva estão mantidos.

Antonio Maciel Neto, presidente da Suzano Papel e Celulose, informou que os preços de celulose devem subir em abril, o segundo reajuste do ano. A empresa, explicou, vem sentindo o efeito da pressão de custos, por conta da alta nos fretes. "Com o aumento do petróleo, há um impacto nos fretes marítimos", disse. Para mitigar esse problema, o executivo da Suzano contou que a empresa tem adotado medidas de redução de custos.

De acordo com Décio da Silva, presidente da WEG, os preços dos insumos, sobretudo do minério de ferro e produtos da cadeia, têm trazido forte impacto nos custos produtivos da empresa, que estuda a possibilidade de repasse de preços. Mas são ajustes pequenos e ele acredita que a inflação do país ao consumidor poderá ficar entre 4,5% e 5,5% neste ano, e não haveria necessidade de medidas para frear a demanda interna. "Subir juros é a pior coisa que pode acontecer no Brasil, seria o pior remédio."

A pressão de custos por conta da alta de commodities, energia e insumos traz algum risco à inflação, mas o empresário André Gerdau Johannpeter, diretor-presidente do grupo Gerdau, não vê necessidades de subir juros para conter qualquer pressão inflacionária, porque ela não tem origem na demanda. Na sua empresa, ele está buscando ganhos de eficiência e corte de custos internos.

O presidente da Electrolux, Ruy Hirschheimer, afirma que não há, por enquanto, pressões inflacionárias, mas prevê um aumento nos custos futuros, uma vez que já se percebe alta nos preços das commodities. Para o dono da rede de restaurantes Fogo de Chão, Arri Coser, a alta da inflação "não existe". Ele defende que o governo brasileiro deixe o mercado interno "se ajeitar" sozinho, sem interferência na taxa de juros ou no crédito. Mas recomenda, claro, um corte nos juros, "que nunca é demais", diz ele.

Os executivos da área de consumo não concordam com as medidas estudadas pelo governo para reduzir a pressão inflacionária. "Já existem mecanismos suficientes na economia para inibir qualquer possibilidade de disparada na inflação, não é preciso acenar com a aumento da taxa de juros ou um corte no crédito", diz Carlos Trostli, ex-presidente da Reckitt Benckiser no Brasil, que deixou o cargo no final de janeiro. Fernando Terni, presidente da Schincariol, concorda. "A crise externa não surtiu qualquer efeito sobre o nosso negócio, mas medidas como controle do crédito podem assustar o consumidor e fazê-lo gastar menos", afirma Terni. Na Schincariol, assegura, nenhuma estratégia foi revista por conta do atual cenário, que Terni ainda vê como muito distante do dia-a-dia do consumidor. "Estamos em estado de atenção, mas não de preocupação", diz ele.

Na rede de laboratórios Fleury, a pressão de custos apareceu no preços dos aluguéis. Por outro lado, o dólar baixo - importante para a compra de equipamentos de diagnósticos -- tem contrabalançado esse impacto, conta o presidente da empresa, Mauro Figueiredo. Ele acredita que é cedo para notar uma alta mais consistente da inflação. "É sempre uma preocupação, mas vai depender da dimensão da crise e da sua duração no tempo."

O dólar também é garantia contra a inflação para setores que usam muitos insumos importados. Hélio Rotenberg, presidente da fábrica de computadores Positivo, não teme também inflação, porque 90% das matérias-primas dos computadores são dolarizadas ou referenciadas em dólar. "Enquanto as contas externas estiverem controladas, não vejo mudanças no nível do câmbio", disse.

Para se proteger das pressões de preços, a Fiat estuda elevar as importações de algumas matérias-primas, diz Cledorvino Belini, presidente da empresa. Ele acredita, contudo, que a alta das commodities não trará efeito significativo sobre a inflação. "Esse é um problema que estamos enfrentando e nos faz perder competitividade. Mas são regras do jogo. E não que causará uma explosão inflacionária."

A crise financeira dos bancos americanos, por enquanto, não afetou exportações das companhias brasileiras para os Estados Unidos e menos ainda as vendas no mercado interno. Maciel Neto, da Suzano, diz, contudo, que ela preocupa. "Não tivemos embarques adiados nem pedidos cancelados", afirmou, em referência às vendas externas da empresa. Até agora, a Suzano, que em 2007 investiu US$ 1,3 bilhão em uma nova fábrica para aumentar em mais de 30% a capacidade de produção, tem obtido melhores preços, principalmente por conta da forte demanda da China.

A operadora de telefonia Oi (ex-Telemar) não ouviu falar em crise alguma. "Pelo contrário, estamos vendo um aumento no consumo dos clientes de baixa renda", afirma o presidente da empresa, Luiz Eduardo Falco. Segundo ele, as vendas e a utilização dos celulares pré-pagos reagiram positivamente às promoções feitas pelas operadoras, que reduziram, na prática, o preço do minuto das ligações. A ameaça de um retorno da inflação "assusta um pouco", segundo Falco, especialmente se houver uma piora no desempenho da balança comercial - o que poderá pressionar a cotação do dólar.

Rotenberg, da Positivo, afirmou que não vê uma ameaça da crise americana sobre os negócios da empresa. "Mesmo se a economia brasileira crescer 4%, em vez de 5%, pouco muda. O impacto não é nada sobre as nossas vendas", disse. A Positivo tem conseguido vender mais computadores por conta da forte demanda de crédito.

Coser, da Fogo de Chão, não acredita que a atual crise vá além do primeiro semestre. "No nosso negócio, o impacto não tem sido sentido", diz ele. "No primeiro bimestre, considerando as mesmas lojas, crescemos 0,3% em receita e, levando em consideração os três novos restaurantes inaugurados ano passado, o aumento no faturamento foi de 24%", afirma Coser.

Para Roberto Setubal, presidente do Itaú, a política econômica dos últimos anos, que garantiu alto nível de reservas internacionais, melhora substancial do balanço de pagamento e uma politica fiscal adequada, vai ajudar o Brasil a passar relativamente bem pela crise, com impacto reduzido no mercado interno. Na sua avaliação, "a crise já avançou bastante lá fora, mas é difícil avaliar até onde pode chegar e quanto pode durar". O mais preocupante no momento, diz, é a inflação. "O volume de vendas em janeiro e fevereiro surpreendeu."

O presidente da CPFL, Wilson Ferreira, disse que o impacto da crise internacional no Brasil é leve. Os fundamentos do país são muito fortes, o Brasil desenvolveu um mercado interno emergente e por isso será preservado. Ele disse, porém, que é preciso ficar atento à infra-estrutura, setor que depende de financiamento, o que pode ser afetado pela crise internacional.

O presidente da Alpargatas, Márcio Utsch, também não vê ainda grandes efeitos da crise americana sobre o mercado brasileiro. "Nem mesmo na filial da Alpargatas em Nova York há alterações no ritmo de vendas", afirmou Utsch. Ele observou, no entanto, que a empresa foca suas vendas nas sandálias Havaianas, que naquele país têm valor de mercado próximo a US$ 20 o par. "Espero que o efeito da crise também não chegue ao Brasil", diz o executivo, para quem a crise americana poderá provocar recessão na economia internacional em até dois anos.

André Gerdau Johannpeter diz que a crise americana não está afetando seus negócios no Brasil e nem nos EUA, onde estão cerca de 40% das operações do grupo Gerdau. "Nossos produtos lá são em grande parte voltados à área industrial e de infra-estrutura. Na área residencial, onde está concentrada a crise, são 7% a 8%".

Belini, da Fiat, diz que a crise americana ainda não trouxe efeitos à economia brasileira, mesma avaliação feita pelo presidente da ALL, Bernardo Hees. Belini acredita que o Brasil manterá o ritmo de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em torno de 5%, fruto da expansão da renda e do aumento dos investimentos em capacidade produtiva. O executivo da Fiat defende que o governo mantenha as regras da economia para garantir a solidificação dos investimentos voltados ao setor produtivo.

Antonio Cassio dos Santos, presidente do grupo Mapfre no Brasil, avalia que a economia brasileira está bastante aquecida e vai continuar assim, apesar de todo cenário adverso lá fora. "O tamanho da crise mundial vai depender do comportamento das familias americanas", avalia, acrescentando que "a crise vai se espalhar com intensidade no Brasil se ela se tornar sistêmica nos Estados Unidos."

O empresário Walter Torre, da WTorre Engenharia, disse que a crise pode vir, mas afirmou que sua construtora está preparada para os próximos dois anos. "Acumulamos musculatura", disse em relação à carteira de obras. Ele está temeroso em relação ao boom pelo qual o setor imobiliário passa. "Os imóveis tiveram aumento de 300% nos últimos dois anos. Os preços de materiais de construção subiram muito. Nunca tivemos esse tipo de inflação de demanda. Isso preocupa", afirmou.

Décio da Silva, da WEG, considera prematuro avaliar a extensão da crise americana. "O Brasil vive um momento de atividade industrial forte. O que preocupa é a taxa de câmbio", avalia Silva. Para o executivo, a diferença entre as taxas de juros dos Estados Unidos e brasileira atraem recursos estrangeiros ao Brasil, contribuindo para a alta do real em relação ao dólar. "Isso tira a nossa competitividade no mercado externo. Ainda não vi do governo alguma medida mais efetiva para o ajuste do câmbio", diz.

O crescimento da renda das familias e do consumo, neste momento, tornou o Brasil mais dependente do mercado interno e, assim, mais protegido, avalia o presidente da Braskem, José Carlos Grubisich. "Se houver algum impacto da crise, será marginal", avalia. Grubisich explicou que as empresas brasileiras vêm fazendo investimentos para garantir o crescimento da oferta de produtos e não vê problemas em relação a uma possível inflação de demanda.