Título: Cisão de ativos é opção após fracasso do leilão da Cesp
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 26/03/2008, Empresas, p. B6

Com o fracasso do leilão de privatização da Cesp, que seria realizado hoje, o governo de São Paulo começa a estudar suas alternativas. Em apenas uma semana, a companhia perdeu nada menos que 32% do seu valor em bolsa. Três opções compõem o cardápio, segundo o Valor ouviu de especialistas do setor e pessoas a par do processo de privatização, e a solução final pode até ser uma combinação de algumas delas.

Uma das possibilidades é fazer a cisão da Cesp em duas ou mais companhias e, dessa forma, separar as usinas que têm direito à renovação da concessão daquelas que perderão a concessão a partir de 2015. O risco regulatório de não renovação foi justamente a causa do fracasso do leilão. As hidrelétricas de Jupiá e Ilha Solteira, que respondem por 67% da capacidade instalada da Cesp já tiveram sua concessão renovada uma vez e, pelo atual modelo do setor elétrico, deveriam ser licitadas novamente.

Com a cisão, o governo de São Paulo poderia vender mais rapidamente quatro das seis usinas, que representam 33% da capacidade instalada, enquanto aguarda uma solução para as outras duas. Se optar por essa modelagem, um dos obstáculos a ser contornado é o endividamento da empresa. A usina de Porto Primavera, que teve sua concessão renovada até 2028 e responde por 20,7% da capacidade instalada, concentra a maior fatia de dívidas da companhia. O problema é que as demais usinas também ajudam a garantir essa dívida. A atual Cesp é ela mesma o resultado de várias cisões. As usinas de Paranapanema e Tietê, hoje pertencentes a Duke Energy e AES, respectivamente, já foram da Cesp no passado. Da mesma forma, a distribuidora de gás natural Comgás e a transmissora de energia Cteep.

Outra medida poderá ser migrar as usinas de Jupiá e Ilha Solteira do atual regime de concessão para o modelo de produção independente. Nesse formato, as duas hidrelétricas poderiam ganhar prazo de 30 anos. O governo estadual teria que fazer um pedido ao Ministério de Minas e Energia. A aprovação não é certa, mas as chances são grandes, embora o processo seja lento. Interessados no leilão acham que o governo de São Paulo já poderia ter feito isso.

A terceira opção, confirmada pelo secretário da Fazenda, Mauro Ricardo Costa, seria a venda em oferta pública das ações que excedem o controle. A forte desvalorização dos papéis nos últimos dias, entretanto, dificultou esse caminho, que só poderá ser retomado se as ações se estabilizarem num patamar superior, mais próximo a R$ 40. No dia 18, Cesp PNB estava cotada a R$ 45 e ontem fechou a R$ 30,61, com queda acumulada de 32%. Só ontem o papel caiu 21,09%, a maior baixa da Bovespa. Cesp PNA (- 20,47%) e Cesp ON (- 19,09%) foram a segunda e terceira maior desvalorização.

O leilão da Cesp fracassou ontem quando nenhum dos cinco pré-qualificados - Alcoa, Energias do Brasil, Tractebel, Neoenergia e CPFL - depositou as garantias financeiras de de R$ 1,7 bilhão. Em sua edição de 19 de março, o Valor antecipou que havia risco de fracasso do leilão.

Ontem, os grupos ressaltaram que mantêm o interesse na companhia, mas disseram que a possibilidade de não-renovação da concessão colocava em risco o retorno do investimento, tendo em vista o preço mínimo de R$ 49,75 por ação. "A incerteza regulatória não permitiu que chegássemos ao preço mínimo", disse Maurício Bähr, do grupo Suez, dona da Tractebel, que compunha um consórcio com Neoenergia e CPFL. Além dos R$ 6,6 bilhões a ser pagos ao governo, o comprador teria que desembolsar outros R$ 9,7 bilhões para pagamento aos minoritários, fora as dívidas da companhia que seriam assumidas, levando o pacote todo a R$ 22,3 bilhões.

Em nota, o governo admitiu que o risco da não renovação das concessões foi um impeditivo. O governador José Serra declarou que o cenário de aperto de liquidez internacional também contribuiu para o fracasso. Os grupos interessados, entretanto, discordam. Segundo uma fonte, havia crédito de sobra para a compra da Cesp. Na tarde de segunda, CPFL, Neoenergia e Tractebel voltaram a se reunir com o secretário da Fazenda, Mauro Ricardo Costa, para sugerir que o governo mudasse as regras do leilão. A proposta era que o pagamento fosse em duas etapas. Uma agora e outra depois da renovação das concessões. O governo alegou ser impossível, por conta da necessidade de fazer uma oferta pública aos minoritários.

Técnicos do governo reafirmaram ontem que o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) estudará uma mudança na legislação a fim de permitir a renovação não só das usinas da Cesp, mas de todas as concessões que vencem em 2015, que alcançam um total de 21 mil megawatts. De acordo com os técnicos, a permissão ou não de que possa haver novas renovações será tratada sob duas perspectivas: a de modicidade tarifária e de competitividade industrial. quando fala em modicidade tarifária o governo quer dizer que, em caso de renovação, a tarifa praticada pelo concessionário teria que ser mais baixa, levando em conta o fato de que o investimento no ativo já foi amortizado. Esse aspecto preocupa empresas do setor, que temem uma queda significativa do preço da energia. (Colaborou Daniel Rittner, de Brasília)