Título: Preço de importação aumenta e pode pressionar inflação
Autor: Landim , Raquel ; Moreira , Ivana
Fonte: Valor Econômico, 28/03/2008, Brasil, p. A

Ao repor os estoques de produtos importados neste início do ano, Domingos Dragone, diretor industrial da Black & Decker, foi surpreendido por uma "turbulência" nos preços dos fornecedores chineses. As ferramentas elétricas e os eletrodomésticos que a empresa compra do gigante asiático para vender no Brasil chegaram de 5% a até 15% mais caros, dependendo do modelo. "Ainda vale a pena comprar na China, porque a diferença é grande, mas vai ter alta nos preços dos importados", disse o executivo.

Não foi apenas a tradicional fabricante de ferros elétricos que sentiu o solavanco. Os preços dos bens importados pelo Brasil subiram neste início de ano de forma generalizada. No primeiro bimestre, o reajuste foi de 18%, uma forte aceleração comparados com os 10% apurados nos 12 meses encerrados em fevereiro, segundo dados da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex).

É mais uma pressão de custos para as empresas, que já sentem o impacto dos maiores preços das matérias-primas e peças internamente,e pode colaborar para a alta da inflação. Atento à evolução dos preços, o Banco Central cogita a possibilidade de elevar as taxas de juros da economia. O que preocupa é que até agora a importação vinha contribuindo de forma positiva para o controle da inflação no Brasil, graças ao câmbio valorizado e o baixo custo dos produtos da Ásia, principalmente da China.

Dois fatores provocam os reajustes dos preços dos produtos importados pelo país: a alta das commodities - principalmente petróleo, aço e químicos - e o aumento dos custos na China. "Depois de um longo período de aquecimento da economia mundial, surgiu uma pressão inflacionária. Começou nas commodities, mas está se generalizado pela indústria", diz Fernando Ribeiro, economista da Funcex.

A indústria mineira de eletrodomésticos Suggar importa mais de 60 modelos da China. De acordo com o diretor industrial, Marcelo Soares, houve aumento nos preços dos produtos importados e também alta no preço do frete marítimo, o que reduziu a margem de rentabilidade. Os custos de importação estão pelo menos 5% mais altos neste início de ano. Mesmo assim, na avaliação da indústria mineira, a importação continua sendo muito vantajosa.

Segundo Soares, os produtos importados da China chegam para a Suggar com custo 35% menor do que se fossem produzidos na fábrica instalada em Belo Horizonte. No ano passado, os produtos chegavam até 40% mais baratos. O diretor explicou que a queda do dólar em relação ao real contribuiu para compensar um pouco da alta de preços dos bens chineses. A Suggar importa uma média de 100 mil itens por mês.

Nos primeiros dois meses deste ano, os preços dos eletroeletrônicos importados subiram 8%. Nos 12 meses até fevereiro, estão estáveis. Por conta das sucessivas inovações tecnológicas, a tendência é o eletrônico ficar mais barato com o tempo. Ribeiro diz que o reajuste pode ser uma pista da mudança na China, principal canteiro de produção de componentes para esse segmento.

Nos últimos anos, o baixo custo dos produtos chineses garantiram que a economia mundial crescesse vigorosamente sem problemas com alta de preços. Agora, uma série de fatores começa a transformar o gigante asiático em um "exportador" de inflação. A taxa de inflação do país atingiu 8,7% em fevereiro, combinação de demanda interna aquecida, salários em alta e valorização da moeda local.

Outro setor que chama a atenção no Brasil é o automotivo. No primeiro bimestre, os preços dos carros, reboques e carrocerias importados subiram 8%, acima dos 5% acumulados até fevereiro. Ribeiro acredita que o repique pode ser um sinal de redução da capacidade ociosa mundial da indústria automobilística, que anteriormente quase não permitia reajustes de preços.

Os combustíveis tiveram o aumento de preços mais significativo entre os produtos importados pelo Brasil, graças a alta do petróleo. No bimestre, subiram 48,5%, muito acima dos 18% nos 12 meses até fevereiro. Os combustíveis representam 15% das compras externas totais do país. Os reajustes dos importados, no entanto, não se limitam a esse item. Praticamente todas as categorias de uso tiveram aumento de preços neste início de ano, embora com menor vigor.

Os preços dos bens intermediários subiram 14,5% no primeiro bimestre, uma velocidade superior aos 10% no acumulado de 12 meses até fevereiro. Os bens intermediários são insumos utilizados pelas indústrias e representam pouco mais de 50% das importações brasileiras. Segundo o diretor corporativo e de operações do grupo Randon, Erino Tonon, os preços de produtos de aço importados pela empresa tiveram reajustes de 3% a 4% em dólar no início deste ano.

O conglomerado, que opera em implementos rodoviários, autopeças e veículos especiais, importa principalmente barras de aço dos Estados Unidos e Canadá e arames de solda da Argentina e também dos EUA. Mesmo com os aumentos em dólar, as matérias-primas ainda custam 30% a menos do que no Brasil (sem considerar frete e imposto de importação), explicou Tonon. Os reajustes, que são anuais, ficaram abaixo da valorização do real no período e não anularam as vantagens de buscar matérias-primas no exterior.

Os preços dos bens de capital comprados no exterior subiram 8,6% no bimestre e acumulam alta de 4,2% nos 12 meses terminados em fevereiro. Nos bens de consumo duráveis, o aumento foi de 14,5% em janeiro e fevereiro e 10% no acumulado em 12 meses. No setor de máquinas e equipamentos, os preços dos produtos importados cresceram 8% no bimestre e 5% no acumulado até fevereiro. As máquinas fabricadas na China está conquistando cada vez mais espaço no mercado nacional. Neste caso, no entanto, uma mudança no mix de importação, com a chegada de máquinas mais caras, também pode ter colaborado para os reajustes.

No contexto internacional, os bancos centrais começam a enfrentar um dilema. Com a recessão nos EUA, que afeta a União Européia, a tendência da autoridade monetária é baixar os juros para estimular a economia. Mas se a China pára de colaborar com a queda dos preços globais, BCs conservadores podem optar por alta de juros, mesmo em época de recessão. "Uma desaceleração da economia global reduziria a demanda por produtos brasileiros", conclui Ribeiro, da Funcex.