Título: Relatório da reforma tributária vai opor Estados
Autor: Jayme , Thiago Vitale ; Izaguirre , Mônica
Fonte: Valor Econômico, 01/04/2008, Política, p. A12

O deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ) apresentou, ontem, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, seu parecer à proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária. O primeiro contato dos integrantes do colegiado com o texto indica que será travada uma disputa estadual durante toda a tramitação da reforma. Alteração feita pelo parlamentar carioca na taxação de petróleo, derivados e energia irritou a bancada paulista. A votação do relatório está marcada para quarta-feira.

Picciani decidiu dar às vendas interestaduais de energia elétrica, petróleo e derivados o mesmo tratamento previsto para outros produtos: cobrança de 2% de ICMS pelos Estados de origem. No texto enviado pelo governo federal ao Congresso, havia a previsão de se manter o tratamento diferenciado hoje vigente, com tributação apenas no Estado de destino nas vendas interestaduais de combustíveis e energia.

Picciani chamou o tratamento diferenciado de "discriminação". Segundo ele, a criação de um novo ICMS com tratamento anti-isonômico a produtos e Estados fere cláusula pétrea: a forma federativa do Estado. Seria, assim, proposta inconstitucional. Esse foi o argumento dado pelo deputado para alterar o texto.

José Eduardo Cardozo (PT-SP) e Flávio Dino (PCdoB-MA) reagiram. Argumentam que Picciani encontrou uma saída jurídica para mexer no mérito da proposta. "Ele arrumou um argumento constitucional para mudar a questão no mérito", criticou o petista.

"Parece-me exagerado que uma exceção a petróleo e energia seja uma afronta ao pacto federativo. O debate da alíquota é pertinente, mas na comissão especial e não aqui na CCJ", disse Dino. A bancada do PPS também anunciou disposição em fazer voto em separado para derrubar a alteração proposta por Picciani.

A PEC da reforma tributária está em tramitação na CCJ da Câmara. Cabe à comissão analisar a admissibilidade da proposta diante da Constituição, com olhar exclusivamente jurídico. O mérito da proposta será discutido em comissão especial a ser criada para este fim.

Para Cardozo e Dino, Picciani extrapolou a função da CCJ. "Meu posicionamento foi apenas jurídico. Estamos criando um novo ICMS. Ele não pode partir de uma premissa discriminatória", defendeu-se o pemedebista. "O que vi aqui foi uma disputa da bancada paulista", acrescentou.

Além do Rio, outros Estados produtores de energia e petróleo, como Espírito Santo, Paraná, Rio Grande do Norte, Tocantins, Sergipe, Bahia, aprovam a alteração feita por Picciani. O governo já adiantou que não terá posicionamento - pelo menos, neste momento - sobre a disputa. "Na CCJ, a bancada do governo estará liberada. Cada parlamentar votará de acordo com as suas convicções", disse o líder do governo na Câmara, deputado Henrique Fontana (PT-RS).

Aliás, o petista prevê outros embates regionais. "A reforma tributária tem esse caráter federativo, de debates de interesses regionais e estaduais. E é bom que seja assim. Temos de pensar uma reforma boa para o país e não para o governo ou a oposição", disse.

O texto proposto pelo relator ainda impede que, mesmo nos dois primeiros anos de existência do sucessor do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), eventuais aumentos de alíquota do novo imposto entrem em vigor antes de 90 dias da publicação.

O relator manteve a proposta original do governo, de suspender a restrição nos dois primeiros anos de vigência do novo ICMS. Se a reforma for aprovada esse ano, o futuro imposto estadual vigorará a partir de 2016. Nessa hipótese, a anterioridade relativa ao ano ficaria suspensa até o fim de 2017.

Picciani incluiu ao texto a necessidade de uma lei definir as alíquotas do novo ICMS. Esta lei deverá ter início de sua tramitação no Senado e será de iniciativa de deputados, senadores, do Executivo ou de um terço dos Estados. Caberá ao Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) ou a um terço dos Estados (por meio de suas assembléias ou governadores) definir o enquadramento dos produtos e serviços na alíquotas, que terá de ser referendado por resolução do Senado.