Título: Fora dos EUA, inflação e taxas de juros estão em alta
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Fonte: Valor Econômico, 28/03/2008, Opinião, p. A18

Enquanto os mercados balançam ao sabor das incertezas sobre a profundidade da desaceleração americana, o resto do mundo está às voltas com o problema contrário - as economias estão aquecidas e a inflação em alta, da China e Vietnã, ao Chile e Arábia Saudita. Uma contagem entre 45 países cujos dados são acompanhados pela revista "The Economist", revela que os preços só não estão subindo hoje em apenas 8, se a Argentina for excluída por manipulação do índice de inflação. As taxas de juros, também ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, já aumentaram ou estão em vias de subir na maior parte dos países. A União Européia fica no meio desses dois mundos. Sua inflação, de 3,3%, está bem acima da meta de 2% fixada pelo Banco Central Europeu que, no entanto, manteve os juros em 4% e evitou seguir os rápidos cortes do Fed americano porque a economia do bloco se retraiu.

Há dificuldades em saber qual das duas tendências prevalecerá, isto é, se a economia mundial poderá se manter à tona e ainda saudável com o seu antigo motor, os EUA, parado ou se o ajuste americano arrastará as demais economias para um período de baixo crescimento. O que parece agora um descolamento em relação aos EUA pode, em pouco tempo, deixar de sê-lo, se os bancos centrais dos países emergentes continuarem elevando os juros para conter os efeitos de um aquecimento indesejado. Se forem bem sucedidos, e as taxas de crescimento forem menores, a recuperação americana tenderá a ser mais lenta, já que foram as exportações que impediram que o Produto Interno Bruto dos EUA apontasse uma recessão.

Há não muito tempo atrás, pressões deflacionárias se instalariam caso a economia americana fraquejasse. Havia então uma sincronia entre juros em queda e redução do excesso de capacidade produtiva global, que permitia recompor o equilíbrio com inflação cadente. Desde que China e Índia irromperam com força no mercado mundial e Brasil e outros emergentes resolveram seus históricos problemas macroeconômicos, a situação passou a ser outra.

É sempre tentador, e é sempre um risco, dizer a cada crise que desta vez as coisas são diferentes. Se a crise americana não desaquecer de modo significativo a economia global, uma tradição estará sendo quebrada. É possível que isto ocorra. A demanda chinesa é vigorosa e sustentou até agora o aquecimento nos mais variados mercados de matérias-primas, industriais ou de alimentos e, também, da commodity vital, o petróleo. Se durante alguns anos, com suas mercadorias baratas, a China "exportou" deflação, agora "exporta" inflação. A Arábia Saudita se banha em petróleo, mas os preços estão correndo a uma velocidade de 7%, o ritmo mais intenso em 27 anos. Na própria China, a inflação chegou a 8,7%, o que obrigou o governo a acelerar a valorização do yuan, elevar juros e aumentar compulsórios. Os preços devem bater em 5,8% em 12 meses em março na Índia, que suspendeu suas exportações de trigo, açúcar e óleos comestíveis. O Vietnã, que cresceu 8,5% em 2007, vive uma carestia de 20%.

A dependência da China do mercado americano pode não ser tão grande, e seu mercado doméstico tem possibilidade de suprir a ausência de dinamismo externo, até certo ponto - a valorização da moeda que ajuda a combater a inflação é a mesma que eleva os salários reais, que hoje uma fonte alimentadora dos preços e as próprias importações estão com preços mais altos. Além disso, os países asiáticos, grandes consumidores das mercadorias chinesas, estão às voltas com o mesmo problema e tomando medidas que vão frear o crescimento. Nesse ponto, deve ocorrer o óbvio, isto é, que o descolamento sempre é relativo e que a maior parte das economias nacionais reduzirá com intensidade variada, sua expansão. A grande incógnita é a força dessa freada, que não necessariamente precisa ser brusca.

China, Índia, e outros emergentes estavam financiando gigantescas acumulações de reservas com juros neutros ou negativos. Eles estão voltando ao terreno positivo, o que atrai capitais externos e força a valorização de suas moedas - outro fenômeno quase generalizado. A persistente desvalorização do dólar pode ser um fator de ajuste se for ordenada, ou simplesmente provocar uma grave crise global.