Título: Construtoras lançam R$ 25 bi em imóveis
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 28/03/2008, Empresas, p. B10

As 21 construtoras e incorporadoras brasileiras que foram à bolsa de valores nos últimos dois anos, em especial em 2007, utilizaram os mais de R$ 12 bilhões que captaram em suas ofertas primárias para dar um salto de crescimento inédito na história da indústria imobiliária brasileira. Juntas essas companhias colocaram no mercado quase R$ 25 bilhões em imóveis novos, mais de duas vezes e meia o volume de lançamentos registrados em 2006, ano que também havia quebrado os recordes históricos da indústria formal da construção civil voltada para o segmento residencial. Em muitos casos, companhias de pequeno porte ampliaram seus lançamentos em 400%, 500% ou mesmo 1500%, índices raros em qualquer setor da economia. O levantamento feito pelo Valor não leva em conta os dados da Inpar, que só divulga seu balanço hoje.

Essa explosão de crescimento em projetos lançados, no entanto, ainda não pode ser vista como sinônimo de sucesso destas empresas. Por conta do ciclo longo do setor - as receitas provenientes de um lançamento demoram, em média, dois anos para serem apropriadas -, quase todas elas ainda não têm esse volume de expansão refletido em seus faturamentos ou em seus resultados. E, além disso, lançar um novo edifício ou condomínio não significa que o produto esteja entregue aos compradores. Todas estas companhias precisarão de um grande volume de capital de giro para conseguir entregar os imóveis que lançaram, o que pode ser um problema para muitas empresas em tempos de escassez internacional de crédito

O ritmo frenético de lançamentos encontrou respaldo em uma demanda extremamente aquecida, principalmente pelo alongamento e uma fartura também inédita do crédito imobiliário, auxiliado pela queda na taxa de juros ao longo do ano passado. Juntas as construtoras e incorporadoras que foram à bolsa tiveram vendas contratadas da ordem de R$ 14,5 bilhões, um crescimento de mais de 121% sobre os números de 2006. "O cenário macro-econômico foi muito positivo para as empresas com a queda dos juros e a ampliação do crédito", diz Amaryllis Romano, analista da consultoria Tendências. "Elas encontraram uma demanda aquecida para a oferta recorde de produtos que colocaram no mercado".

Mas a receita, como era de se esperar pelas características contábeis do setor, não acompanhou o crescimento das vendas. Em 2007 as companhias faturaram R$ 8,5 bilhões, 80% a mais do que em 2006. E mais de 50% desse faturamento foi concentrado entre as seis empresas que vieram ao mercado em 2006 - Abyara, Brascan, Company, Cyrela, Gafisa e Rossi. Por terem feito lançamentos há mais tempo, essas companhias conseguiram agregar mais receita que as outras 15 empresas que abriram seu capital no ano passado. Uma concentração ainda maior é vista no resultado líquido das construtoras e incorporadoras. Dos R$ 1,2 bilhão que todo o setor lucrou em 2007, R$ 902 milhões ficaram com essas seis empresas, com destaque para Cyrela, Gafisa e Rossi, que juntas lucraram R$ 666 milhões, pouco mais de 50% de todo o setor.

Por conta disso, os analistas que acompanham estas empresas ainda não consideram necessariamente receita, lucro ou mesmo o lajida como os indicadores mais importantes a serem analisados nesse momento. "Tirando as empresas que foram à bolsa há mais tempo, é difícil mensurar o índice de sucesso das companhias por conta desses números porque, em geral, eles estão retratando uma realidade de dois, três anos atrás", diz Marcello Milman, do Santander. "Em breve eles refletirão com precisão como as companhias estão se saindo", diz.

Para Milman e outros analistas um dos pontos mais importantes a serem observados nesse momento é o caixa das companhias. Se não fizerem novas captações, é com os recursos disponíveis em seus balanços que conseguirão tocar o volume recorde de lançamentos que fizeram no ano passado.

"Esse é o grande ponto de interrogação nesse momento e, acredito, o que pode indicar os maiores problemas para as companhias do setor", diz Soummo Mukherjee, analista da agência de risco Moody's, que vem acompanhando as construtoras e incorporadoras brasileiras. Com o cenário de crédito se deteriorando de forma rápida, muitas empresas já tiveram que cancelar emissões de debêntures ou novas captações no mercado. "Se gastou muito no primeiro ano para acelerar o ritmo de lançamentos a fim de agradar os investidores, mas parece que muita gente se esqueceu de que é preciso dinheiro em caixa para construir ", diz um analista.

No total, as 21 empresas que foram à bolsa captaram nas ofertas primárias R$ 12,3 bilhões em 2006 e 2007. Nas 15 aberturas de capital do ano passado, os investidores aplicaram R$ 9 bilhões no caixa das empresas e em 31 de dezembro de 2007 essas companhia tinham, em conjunto, R$ 5,6 bilhões em caixa. Se forem excluídas as empresas que fizeram suas captações em 2006 - com exceção da Gafisa, que fez nova captação em 2007 - as companhias têm um caixa disponível de R$ 4,5 bilhões. Na média gastaram cerca de 50% do que captaram no ano passado.

A maior parte desses recursos foi utilizada em uma frenética compra de terrenos. Ao longo de 2007, em muitos casos impacto do preço do terreno no custo total das obras mais do que dobrou. "Houve uma corrida impressionante por áreas para incorporação ao longo de 2007, algo que ainda não havíamos visto", diz Luiz Cláudio Pompéia, da Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp), que acompanha o mercado imobiliário de São Paulo há três décadas.

Com tantos terrenos em seu portfólio, um volume recorde de imóveis colocados no mercado - que ainda não foram construídos - e promessas de lançamentos ainda maiores neste ano, a maior parte das companhias terá que, obrigatoriamente, reforçar seu caixa para conseguir entregar as obras. E com um cenário externo cada vez mais nebuloso, o custo de captação deve subir de forma considerável. "Muitas empresas, quando estavam gastando, parecem ter se esquecido que o mercado financeiro muda de humor", diz Milman. Não à toa, a grande questão que ronda o mercado hoje é saber quais empresas conseguirão, de fato, entregar no prazo tudo o que prometeu, tanto aos investidores quanto aos clientes.