Título: A propriedade industrial e as montadoras
Autor: Marchetto , Patricia Borba
Fonte: Valor Econômico, 28/03/2008, Legislação & Tributos, p. E2

A problemática que envolve as grandes montadoras de veículos e os fabricantes de autopeças, noticiado, inclusive, na imprensa televisiva, é realmente um tema que divide opiniões, inclusive no mundo jurídico. Se por um lado temos as grandes montadoras, que buscam a garantia de exclusividade na comercialização das peças, por outro temos os fabricantes de peças do chamado "mercado alternativo", com o evidente interesse de deterem uma fatia do mercado consumidor, defendendo-se com o argumento de estarem evitando o monopólio no mercado de autopeças.

Certamente este impasse está longe de um final conciliatório, sobretudo por envolver um comércio que movimenta milhões de reais e afetar diretamente o bolso dos consumidores na hora da manutenção de seus veículos. Segundo pesquisas da Associação Nacional dos Fabricantes de Autopeças, se compararmos o preço entre uma peça original e uma similar, a diferença pode ultrapassar a casa dos 1.000%.

A chamada indústria independente de autopeças, ao fabricar produtos para abastecer o mercado alternativo, se vale da engenharia reversa (ER), que consiste em usar a criatividade para, a partir de uma solução pronta, retirar todos os possíveis conceitos novos ali empregados e copiá-los, criando um produto idêntico ao produto original. Esta técnica, que é amplamente utilizada em sistemas operacionais de programas de computadores, e que pode auxiliar na recuperação de dados, é considerada ilegal em alguns países, uma vez que fere a Lei de Propriedade Industrial especificamente, violando os direitos relativos à propriedade industrial - ou seja, as patentes.

A legislação que trata da proteção da propriedade industrial tem por objeto as patentes de invenção, os modelos industriais, as marcas de indústria, de comércio e de serviço, o nome comercial e as indicações de proveniência ou denominações de origem, bem como a repressão da concorrência desleal. A propósito, existe uma ampla abrangência com relação à propriedade intelectual, que é o gênero, ao qual a propriedade industrial é espécie, compreendendo as marcas e patentes.

-------------------------------------------------------------------------------- A solução seria alcançar um equilíbrio com a proteção dos direitos do inventor e a prática de preços menores --------------------------------------------------------------------------------

As patentes constituem uma das mais antigas formas de proteção da propriedade intelectual, modalidade de proteção que foi desenvolvida através dos séculos. Encontramos patentes já no século XVIII. O preceito evoluiu através dos anos e atualmente possuímos um sistema bem moderno, ainda que em desenvolvimento. O Brasil foi o quarto país do mundo a estabelecer proteção dos direitos do inventor pelo alvará do príncipe regente de 28 de janeiro de 1809, atualmente regulado pelo artigo 5º, inciso XXIX da Constituição Federal e pela legislação em vigor.

A nossa Constituição Federal de 1988 garante o amplo direito de propriedade, incluindo o direito à propriedade intelectual e, mais especificamente, o direito de propriedade industrial com relação à marcas e patentes, sendo que a legislação aplicável à Propriedade Industrial é a Lei nº 9.279, de 1996, além dos tratados e convenções internacionais. O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), criado em 11 de dezembro de 1970, é a autarquia federal, vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, responsável pelos registros de marcas, concessão de patentes, averbação de contatos de transferência de tecnologia e por registros de programas de computador, desenho industrial e indicações geográficas, bem como sua fiscalização.

A patente é um documento que descreve uma invenção e cria uma situação legal, cuja finalidade é conceder proteção e incentivo ao desenvolvimento econômico e tecnológico, recompensando a criatividade. Desta forma, a invenção pode somente ser explorada com a autorização de seu titular. Em outras palavras, uma patente protege uma invenção e garante ao titular os direitos exclusivos para usar sua invenção por um período limitado de tempo.

Realmente, em tempos atuais, onde temos um Código de Defesa do Consumidor (CDC) em pleno vigor, despertando gradativamente mudanças nos hábitos do cidadão, é imprescindível rechaçar o monopólio, uma vez que representa uma forma de concorrência imperfeita. No entanto, com os baixos preços praticados pelo mercado alternativo ocorre os chamados dumpings internos, que representam uma forma de concorrência desleal. Sabemos que grandes são os investimentos das montadoras que visam oferecer segurança aos consumidores e garantia de qualidade de seus produtos. Além disso, há a incidência dos tributos, assunto que não abordaremos no momento. Assim, estando o produto revestido das características de inovação, atividade inventiva e susceptibilidade de aplicação industrial, após seu depósito, os direitos de patente devem ser assegurados pelo prazo legal.

Definitivamente, a melhor solução seria alcançar um equilíbrio com relação à proteção dos direitos do inventor e a prática de preços menos exorbitantes, na tentativa de salvaguardar a ordem econômica e os direitos do consumidor, que no caso é o maior prejudicado.

Patricia Borba Marchetto é professora universitária, advogada, consultora jurídica e doutora em direito processual pela Universidade de Barcelona, na Espanha

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