Título: Fundos vão à forra com crise nas bolsas
Autor: Adachi , Vanessa ; Valenti , Graziella
Fonte: Valor Econômico, 27/03/2008, Empresas, p. B2

Nos últimos anos, eles observaram a euforia de aberturas de capital pela fresta da porta. Agora, os fundos de participações, conhecidos como "private equities", têm a oportunidade de ir à forra. Com o arrefecimento do mercado de ofertas públicas de ações na esteira da crise de hipotecas nos Estados Unidos, os preços muitas vezes irreais pagos pelos investidores nas emissões de ações saíram de cena. E os fundos, finalmente, voltaram a ser competitivos nas ofertas aos empresários brasileiros.

Se os investidores de mais curto prazo estão ressabiados, o capital de longo prazo está de olho no país. Fundos de participações que nunca antes haviam se dado ao trabalho de observar oportunidades no Brasil estão chegando com apetite. "Essa correção de preços é o melhor dos mundos para o private equity. Os múltiplos das companhias caem e eles compram mais barato", diz Carlos R. Asciutti, especialista em assessoria financeira da Ernst & Young.

Gigantes como o europeu Permira, sexto maior grupo do ramo do mundo, com mais de US$ 20 bilhões captados nos últimos cinco anos, ou o Apax, também europeu e sétimo maior, aportaram por aqui. O One Equity Partners, do JP Morgan, é outro que analisa oportunidades de aquisições, além do americano TA Associates e do Olayan, da família real da Arábia Saudita.

"As empresas continuam a precisar de capital porque a economia vai bem. Com o mercado de capitais muito seletivo para novas operações, é a hora dos private equities", diz José Olympio Pereira, chefe da atividade de banco de investimentos do Credit Suisse no Brasil. Nos últimos três anos, o banco foi líder em aberturas de capital e, agora, tem discutido com seus clientes outras opções de capitalização, como a venda de participações a fundos ou a um comprador estratégico. Pereira avalia, entretanto, que o mercado para emissões de ações reabrirá, talvez até antes do que se imagina. "O recente sucesso da abertura de capital da Visa mostra que, até mesmo nos EUA, epicentro da crise, uma boa empresa encontra espaço."

A chegada desses fundos e novas captações de gestores já estabelecidos por aqui devem contribuir para esquentar mais o já aquecido movimento de aquisições no país, especialmente, no segundo semestre. Piero Minardi, da Gávea Investimentos, confirma que o ano está melhor para fazer negócios, apesar da piora no cenário internacional de bolsas. "O dinheiro não sumiu. O Brasil é 'hot'. Está na moda."

Algumas empresas que já haviam pedido à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) o registro de suas ofertas acabaram desistindo de emitir ações e fecharam negócios com fundos de participações. O primeiro movimento nesse sentido foi da Farmasa, em meados de novembro. A farmacêutica - dona das marcas Rinosoro e Tamarine - preparava-se para ir à bolsa desde 2005 e chegou a pedir o registro à CVM em agosto. Mas, em novembro, quando o mercado já estava mais seletivo, vendeu 50% de seu capital a um dos fundos da GP Investimentos, por R$ 241,6 milhões. Há poucos dias, foi o Tarpon que pagou R$ 250 milhões por 25% da construtora e incorporadora Direcional Engenharia, que também estava a caminho da bolsa.

Embora esses casos sejam mais visíveis, os gestores de fundos de participação dizem que há dezenas de empresas que já vinham fazendo seu dever de casa para ir à bolsa e que ainda não tinham apresentado o prospecto de sua oferta à autarquia. "As empresas que estão batendo aqui não são só as com registro", diz Patrice Etlin, sócio-diretor da Advent International, administradora de Boston que atua há dez anos aqui.

A diferença entre o preço que o empresário julgava que poderia obter na bolsa e que os fundos oferecem está caindo, mas ainda existe. Etlin explica que a expectativa dos empresários foi formada a partir dos resultados obtidos por muitas companhias que abriram capital. "Os bancos de investimento fizeram muito estrago", afirma, em referência aos prognósticos apresentados pelas instituições às empresas que estavam na fila para a bolsa.

Segundo o executivo da Advent, há dois grupos que se preparam para a Bovespa. O primeiro é formado por empresários que viam na oferta de ações apenas uma oportunidade de valorizar o negócio e de colocar algum dinheiro no bolso. "Esse grupo, quando o mercado seca, não faz nada." Mas há um segundo, que precisa de capital para crescer ou resolver problemas societários. É aí que os fundos entram.

Esses gestores de recursos estão altamente capitalizados. A GP, maior fundo brasileiro, acaba de fechar uma segunda oferta de ações, em que levantou R$ 366 milhões em plena crise. Em outubro já havia fechado a captação de US$ 1,3 bilhão em seu fundo IV. Procurada, a empresa não fez comentários por estar em período de silêncio.

No ano passado, Advent captou US$ 1,3 bilhão para o seu Latin America Private Equity Fund IV, que direcionará recursos prioritariamente para o Brasil e o México. De acordo com Etlin, cerca de um terço dos recursos já foi investido, em compras como a da rede de restaurantes Viena. Na carteira do fundo, há empresas como a RA, de refeições em aeroportos, a Brasif, de lojas "duty free" em aeroportos, CSU Cardsystem, lavanderias Atmosfera, a farmacêutica Asta Médica e a Totvs Microsiga.

O Cartesian Capital Group, que chegou aqui no ano passado, também sentiu na pele a dificuldade com os preços elevados dos ativos e a concorrência com o mercado de capitais. Com um fundo já constituído de US$ 1 bilhão para mercados emergentes, fechou apenas um negócio no ano passado, apesar de ter avaliado mais de 100 oportunidades. A expectativa é concretizar investimentos entre US$ 100 milhões e US$ 150 milhões ao longo deste ano. O foco do fundo são aquisições de participações minoritárias, entre US$ 20 milhões e US$ 60 milhões, em companhias de diferentes setores da economia.

O súbito interesse dos grandes fundos internacionais pelo Brasil reflete um conjunto de fatores, que vão desde o crescimento econômico local, passam pelo descolamento do risco do país com o restante do mundo e vão até o recente forte desenvolvimento do mercado de capitais local, nos últimos quatro anos.

O boom das aberturas de capital é parte da explicação da chegada desses grupos, avalia Asciutti, da Ernst & Young. Eles precisam saber que terão condições de vender as participações adquiridas quando julgarem oportuno. "Eles não precisam vender em bolsa. Podem oferecer a um investidor estratégico ou mesmo para um sócio. Mas um mercado desenvolvido é uma garantia."

Essa agitação é um sinal de atividade no mercado de capitais no futuro. Desde 2004, das 105 novatas que listaram ações na praça paulista - excluindo Bovespa e a BM&F - 36 tinham fundos em suas estruturas societárias. "O private equity ajuda a companhia a fazer em dois anos o que levaria quatro para fazer sozinha", diz Minardi, da Gávea.