Título: Nova política industrial englobará mais setores
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Fonte: Valor Econômico, 27/03/2008, Opinião, p. A20

A nova política industrial do governo, cujas principais medidas foram antecipadas pelo Valor na edição de terça-feira, é mais ambiciosa que a anterior, lançada há apenas quatro anos. Enquanto a primeira previa incentivos para o desenvolvimento de quatro setores (fármacos, software, bens de capital e semicondutores), a nova mira 24 áreas, divididas em três grupos, segundo o seu potencial "estratégico".

Diz-se que, quando uma política pública tem muitas prioridades, na verdade, ela não tem prioridade alguma. Na versão anterior do política industrial, o governo escolheu setores que considera "transversais", ou seja, que beneficiam a produtividade de toda a economia e não apenas áreas e empresas específicas. Na avaliação de empresários, é digno de elogio, portanto, o fato de o governo, com a nova política, não escolher perdedores nem ganhadores. Praticamente todos os setores são contemplados.

Embora lance mão de um eufemismo ao chamar o novo plano de "fase II" da política anunciada há quatro anos, os atuais formuladores reconhecem, na prática, o fracasso da estratégia anterior. Talvez, o caso mais significativo de insucesso tenha sido o do setor de software. No plano de 2004, partindo da suposição de que o Brasil reúne condições para ser uma potência nessa área, o governo criou uma linha de crédito subsidiado no BNDES (Prosoft), de R$ 100 milhões, e fixou metas ambiciosas.

Em 2001, a indústria de software exportou o equivalente a US$ 100 milhões. Em 2004, o governo, ao lançar o Prosoft, previu que, em quatro anos, as vendas externas pulariam para US$ 2 bilhões. Uma idéia do quão distante essa meta estava da realidade foram as exportações de 2007: apenas US$ 250 milhões. Na nova política, o governo novamente parece exagerar na meta: US$ 3,5 bilhões para 2010.

Há uma distância significativa entre os gabinetes de Brasília e o chão das fábricas. Muitas vezes o que o burocrata quer com a adoção de um determinado incentivo não é necessariamente o que o beneficiário demanda. No anúncio da primeira política industrial, o presidente da Confederação Nacional da Indústria, Armando Monteiro Neto, queixou-se, na presença do presidente da República e de seus ministros, de que a participação do setor privado nas discussões foi "insuficiente".

Uma pergunta que precisaria ser respondida antes da definição do pacote de medidas é: o que se pretende com a adoção de uma política industrial? No novo plano, o governo deixa claro que quer reduzir a dependência brasileira de produtos importados em várias áreas - notadamente, no que diz respeito a equipamentos de saúde, microeletrônica e bens de capital.

Especialistas afirmam que é perda de tempo e dinheiro o Brasil imaginar que pode, a essa altura do desenvolvimento tecnológico em várias partes do planeta, se transformar num fabricante competitivo de produtos eletrônicos. Investir recursos vultosos numa área em que possivelmente o país já perdeu o bonde da história é, de fato, um contra-senso. Como o próprio governo reconhece, contudo, no documento oficial da política industrial publicado pelo Valor, há entre os setores mais dinâmicos da economia brasileira, alguns que já alcançaram posição protagonista no mundo: produção aeronáutica, mineral, siderúrgica, petroquímica, de papel e celulose e de carnes.

O dado positivo é que o novo plano procura tratar dos problemas dos setores da economia com potencial de crescimento. Para não ficar, porém, apenas na definição de metas ousadas, mas inalcançáveis, o governo deve definir claramente que instrumentos usará para efetivamente pôr em prática os estímulos prometidos. Não adianta reunir os vários programas já existentes, rebatizá-los e anunciá-los com o pomposo nome de "Política de Desenvolvimento Produtivo".

Dos R$ 251,6 bilhões previstos para a nova política, R$ 210,4 bilhões são recursos do BNDES, que já os emprestaria, independentemente do plano traçado por Brasília - como se sabe, a demanda por recursos do banco é exponencial, superior à sua capacidade de emprestar. A peça mais importante da nova política - a desoneração fiscal - ainda não foi definida.