Título: A abertura do mercado de resseguro no Brasil
Autor: Haddad , Marcelo Mansur
Fonte: Valor Econômico, 27/03/2008, Legislação & Tributos, p. E1

No réveillon deste ano de 2008, o estouro dos champanhes do mercado segurador foi certamente acompanhado de sentimentos díspares, embora não antagônicos entre si. De um lado, certo alívio, em alguns alegria e até mesmo júbilo pela tão aguardada regulamentação da abertura do mercado ressegurador brasileiro. De outro, certa apreensão, em alguns preocupação e até mesmo tormento sobre o futuro que os cerca. Cada qual com seu grau, mas certamente todos com tais sentimentos.

É o momento de se preparar para este "admirável mundo novo". Mais do que se preparar, o importante é estar mais preparado do que seu concorrente. E a referência aqui à famosa obra de Aldous Huxley, de 1931, não é em vão. Mas certamente é invertida. Há certamente um mundo novo a ser encontrado. Mas este mundo não é aquele impessoal, coletivo, livre da vontade individual, onde todos são iguais entre si e predestinados aos seus ofícios desde sua concepção, que Aldous Huxley imaginou que fosse nosso futuro. É o contrário.

No contexto dos seguros, mais especificamente no que tange à aventura do resseguro, estamos deixando para trás o mundo, no melhor estilo Huxley, sem criatividade, de condicionamento mental e de aparente harmonia. Este mundo acabará. Passaremos para um mundo, este sim para nós admirável ou mesmo inexplorado ou "brave", onde se privilegia a criatividade e o conhecimento de cada um. A cada qual conforme sua especialidade, seu conhecimento, sua técnica aliada à força de seu capital. A cada peso, sua medida. E é neste mercado inexplorado que cada agente deverá buscar suas próprias conquistas, segundo seus próprios méritos. A aparente harmonia de Aldoux Huxley transforma-se, portanto, neste mundo novo, em desarmonia latente, mas controlável.

O segurado, que a cada ano agrava os riscos atrelados as suas atividades ou que não desenvolve ou aprimora políticas de mitigação ou prevenção, corre o sério risco de ver sua cobertura mais cara ou mais rara ou mesmo, no extremo, de ver-se sem cobertura qualquer. Para aquele outro que aprimora e aperfeiçoa suas atividades, em especial no que tange à mitigação de riscos, é a oportunidade de reduzir custos e, assim, ganhar competitividade. O seguro deixa então de ser preponderantemente uma linha a mais no campo das despesas do orçamento da empresa para se tornar, quando bem administrado, uma possibilidade de alavancar sua competitividade face aos seus concorrentes.

-------------------------------------------------------------------------------- Quem enxergar a oportunidade e souber dela se aproveitar verá como se pode navegar em mar tormentoso --------------------------------------------------------------------------------

Para o segurador atento, o resseguro passa a ser um poderoso instrumento de gestão de seu negócio, oferecendo aos segurados coberturas específicas e interessantes a preços competitivos. Para o segurador não tão atento ou atento somente à conquista de mercado independentemente da avaliação do risco, o resseguro pode ser sua perdição, quando da escolha de parceiros de alto risco moral ou financeiro. O resseguro deixa, então, de ser preponderantemente um elemento nivelador - nivelando indistinta e normalmente por baixo os agentes de mercado - para se tornar, quando bem administrado, um elemento de perpetuação de seus negócios, resultados e, consequentemente, ganhos.

Assim é que chegamos ao futuro, como imaginado pelo escritor inglês H.G. Wells em sua clássica obra "A Máquina do Tempo", de 1895. Um mundo onde infelizmente nem tudo é tão simples, tranqüilo, equilibrado ou delicado, como o mundo inocente e superficial dos "Elois". Um mundo onde felizmente nem tudo é tão caótico, escuro, incerto ou truculento, como o mundo violento e subterrâneo dos "Morlocks". Na verdade, um mundo real, onde ainda há o certo e o errado, o feio e o bonito, o correto e o incorreto. É neste mundo real, sem as proteções e amarras típicas de um sistema monopolista, que teve sua razão de ser, mas que hoje já não se justificava mais, é que cada segurado, segurador ou mesmo ressegurador deverá se posicionar e buscar seu sustento.

Como sempre, onde alguns vêem somente mudança, outros vêem também oportunidade. Onde alguns enxergam uma porta se fechando, outros vislumbram uma janela se entreabrindo e se agarram a esta oportunidade. E oportunidades não faltam. Oportunidades para novos e mais inusitados negócios. Oportunidades para negócios mais adequados às necessidades dos clientes. Oportunidades para novos clientes, assim como para novos mercados. E, mais do que isto, oportunidades para os profissionais do mercado de seguros - já que esse mercado é altamente dependente de recursos financeiros e humanos, talvez mais estes do que aqueles, já que o que importa, aos olhos do investidor, é fazer mais e melhores negócios com o mínimo de capital possível.

Assim, não existe mercado segurador sem capital e sem pessoas qualificadas tecnicamente gerindo este capital - ou, melhor, não existe atividade seguradora ou afim sem pessoas altamente qualificadas que serão as gestoras de um capital que poderá ser eventualmente alocado para tal fim. A qualificação técnica é, por assim dizer, uma condição "sine qua non" para a ascensão profissional neste mercado e há certamente hoje uma grande carência, sentida e ressentida, de profissionais que possam se dedicar ao tema do resseguro no Brasil. Isto se aplica a todos os profissionais que estão direta ou indiretamente relacionados com a área de seguros e afins, quais sejam, securitários, corretores, reguladores, administradores, economistas, atuários, contadores, advogados e até mesmo tradutores.

Desta maneira, seja no campo profissional, para as pessoas de mercado, seja no campo empresarial, para os agentes de mercado, quem enxergar esta oportunidade e souber dela se aproveitar verá como se pode navegar em mar tormentoso. Quem dela não se aproveitar, saberá que se pode naufragar na calmaria ou atracar em porto estéril.

Marcelo Mansur Haddad é advogado e sócio do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados

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