Título: Jogo de paciência
Autor: Cotias , Adriana
Fonte: Valor Econômico, 27/03/2008, EU & Investimentos, p. D1

"Se você não pretende manter um papel por dez anos, nem pense em mantê-lo por apenas dez minutos", já sentenciou o guru dos investimentos, o bilionário americano Warren Buffett, da Berkshire Hathaway. Tal preceito, originado nas bases da análise fundamentalista, substancia que, quando as escolhas são boas, a paciência do investidor costuma ser recompensada com retornos consistentes no longo prazo. Os riscos, por sua vez, tendem a ser progressivamente menores com o avançar do tempo.

É o que mostra um estudo do economista e matemático Ricardo Albahari, consultor da GAS Investimentos, que usou o Ibovespa como exemplo de carteira diversificada num período de 20 anos. Dentro desse intervalo, com o investimento feito por apenas um ano, o retorno esperado (em dólar) seria de 29,96%, mas com um risco enorme, de 68% - o que significa dizer que a rentabilidade poderia variar nesse percentual para cima ou para baixo do resultado obtido no prazo avaliado. Em cinco anos, os ganhos chegariam a 15,67% ao ano, para um risco de 19,81%. Em dez, o aplicador obteria 14,90% ao ano, diante de um risco de 8,45%. Em 20 anos, a remuneração média anual seria de 12,48% e o risco cairia a 3,39%.

Tais resultados foram obtidos utilizando-se um método estatístico chamado "rolling", em que todas as variações diárias do índice foram consideradas em 252 pregões em cada ano das duas décadas consideradas, gerando uma base de mais de 5 mil dados. "Como as chances de um mesmo retorno se repetir seguidamente em mais de um ano são ínfimas e a tendência dos ativos é de se valorizar, no longo prazo os riscos se diluem, qualquer que seja a data de início do investimento", explica Albahari. No pior cenário para o período completo de 20 anos, o investidor que tivesse aplicado US$ 100 mil contabilizaria ganhos anuais médios de 5,70% e triplicado seu capital. O mais bem-aventurado obteria 19,26% ao ano, acumulando R$ 3,4 milhões.

"Isso quer dizer que, quando o mercado está caindo, não convém se deixar levar pelo desespero", diz a responsável pelas relações com o investidor da GAS, Silvia Sandoval. "É preciso ter tranqüilidade para entender que o mundo não vai acabar e, talvez, até encarar esses momentos de maior volatilidade como oportunidade para ampliar o investimento."

Ela lembra que o Ibovespa não é exemplo de carteira baseada em fundamentos, pois a inclusão de ações no índice leva em conta só o aspecto da liquidez. Numa gestão ativa, cuja seleção considere as projeções de geração futura de caixa e os ambientes macro e setorial, a equação risco/retorno tende a ser melhor. O GAS Lotus, exemplifica, em sete anos de atividade, apresenta retorno médio de 29,3% em dólar, com risco de 3,39% ao ano pela metodologia do "rolling", que difere dos cálculos tradicionais de volatilidade, que representam a fotografia de um período isolado de tempo, normalmente um ano.

As grandes apostas do fundo, conta Silvia, estão distribuídas nos setores de siderurgia, construção civil, bancos, mineração, consumo e energia. A gestão costuma evitar a concentração, mantendo de 20 a 25 papéis em carteira. Embora o quesito liquidez não seja relevante nas escolhas, ela diz que tem condições de se desfazer de 90% do portfólio num período de 30 dias. O limite técnico em cada ativo é de 15% do patrimônio do fundo.

Criado em dezembro de 1995, o Fama Futurewatch, da Fama Investimentos, atravessou colapsos econômicos tão distintos quanto severos. Desde a quebra dos Tigres asiáticos (1997), passando pela derrocada russa (1998), a desvalorização cambial brasileira (1999), a crise argentina (2000) até o estresse no Brasil pré-eleitoral (2002), o foco da gestão sempre esteve nas empresas de baixa capitalização de mercado. Longe de estarem entre as campeãs de liquidez do Ibovespa, as ações selecionadas proporcionaram aos cotistas retorno anual médio de 33,5% em dólar. O risco tem-se situado em 22,7% ao ano, para 31,3% do Ibovespa, pelo cálculo tradicional de volatilidade.

Nos momentos mais críticos como o atual, com o engessamento do crédito nos mercados desenvolvidos e os EUA à beira de uma recessão, a mensagem para o investidor é se apegar à economia real, diz o sócio da Fama André Ribeiro. Ele alerta que é preciso tentar entender se os resultados futuros das companhias investidas serão, de alguma forma, afetados pela crise. "Conhecendo a fundo o operacional da empresa e se ela apresenta resultados crescentes, mais dia menos dia a ação será valorizada, pode não ser em uma semana, em um mês, mas ao longo dos anos."

No portfólio, formado por 12 ações, não é incomum manter um papel por mais de cinco anos, conta Ribeiro. Magnesita, por exemplo, está na carteira há quase uma década e depois de já ter multiplicado seu valor em 70 vezes ainda tem potencial. Tal percepção ancora-se na aquisição pela GP Investimentos, no ano passado, que deu sangue novo à gestão, e pelo projeto de internacionalização que vem sendo tocado. "Como provedora de serviços e materiais refratários para a siderurgia brasileira, ela se beneficia do aumento dos investimentos no setor sem estar no risco direto de commodities."

Para garimpar o que vai para a carteira, a análise é minuciosa, conta Ribeiro. O estudo leva pelo menos seis meses e inclui visitas à empresa e à concorrência para assimilar a lógica operacional, a dinâmica de preços e quais as vantagens competitivas do negócio. O investimento começa pequeno, as reavaliações são periódicas e não raro a gestão passa a deter fatias que lhe dêem o direito a participar dos conselhos fiscais e de administração. A intenção é opinar em temas que envolvam a melhora da governança corporativa, conta.

O Jaguar, da Fator Administração de Recursos (FAR), é outro exemplo de gestão longeva que aprendeu a driblar crises em seus quase 11 anos de existência. De setembro de 1997 para cá, o retorno (líquido de taxas de administração e de performance) alcançou 8% (em reais) ao ano acima do Ibovespa. O risco, segundo o site Fortuna, situa-se em 26,18%. O prazo para a renda variável é fundamental e não há atalhos, argumenta a diretora da FAR, Roseli Machado.

São justamente as fases caóticas do mercado as mais apropriadas para se adquirir ações. "É o momento de se ficar atento a determinados setores, tem empresa que fez IPO (oferta pública inicial, em inglês) recentemente e caiu 50%", exemplifica Roseli. Bancos, logística, construção civil e consumo são alguns dos segmentos mais promissores. Siderurgia e mineração, com Usiminas, Gerdau e Vale , também estão representados na carteira do Jaguar.