Título: União poderá ter prazo de 4 anos para aumentar gastos com saúde
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Fonte: Valor Econômico, 31/03/2008, Brasil, p. A2

A "bancada da saúde" no Congresso Nacional, grupo suprapartidário com o qual se identificam mais de um terço dos parlamentares, está disposta a negociar um aumento gradual do percentual de receitas da União destinado a gastos públicos com saúde, caso o governo federal concorde em adotar esse critério na regulamentação da emenda constitucional 29.

Segundo o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), um dos seus interlocutores, existe, entre os membros do grupo, uma compreensão abrangente de que não é viável, sob o ponto de vista fiscal, implantar de uma só vez o critério previsto no projeto de lei complementar do senador Tião Viana (PT-AC).

O projeto foi escolhido recentemente como a nova opção da "bancada" para regulamentar a emenda 29, promulgada em 2000. Ao alterar o artigo 198 da Constituição Federal, a emenda impôs às três esferas de governo, federal, estadual e municipal, um patamar mínimo de gastos com ações e serviços públicos de saúde. O substitutivo adotado pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado ao projeto de Viana determina que, no caso da União, esse mínimo seja equivalente a 10% da receita corrente bruta do orçamento fiscal e da seguridade social. Mas, conforme Perondi, a idéia dos parlamentares é, na negociação com o Poder Executivo, propor um prazo de quatro anos para que esse percentual seja plenamente atingido.

"A intenção é começar com 8,5%, no primeiro ano de vigência da nova regra, e acrescentar meio ponto percentual ao ano, nos três anos seguintes, chegando a 10% no quarto ano", disse o deputado, em entrevista ao Valor.

Mesmo com o mecanismo constitucional de Desvinculação de Receitas da União (DRU, que neutralizaria 20% da nova vinculação), os 8,5% iniciais já representariam algum ganho em comparação ao critério atual. Baseada na variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB), a atual fórmula de fixação do patamar mínimo de aplicações da União em saúde, que é provisória, garante, para 2008, gastos em torno de R$ 48,5 bilhões, informa a Secretaria de Orçamento Federal (SOF). Se o critério baseado na receita corrente bruta fosse aplicado a partir deste ano, mesmo com a DRU, o percentual inicial citado por Perondi garantiria um mínimo um pouco maior, de R$ 49,37 bilhões aproximadamente.

A receita corrente bruta, conceito que inclui receitas primárias e financeiras, é estimada para este ano em R$ 726 bilhões, diz a Secretaria de Orçamento Federal. Na hipótese de a receita permanecer inalterada, o escalonamento a ser proposto pela "bancada da saúde" asseguraria aumento do piso para R$ 52,27 bilhões, no segundo ano, para R$ 55,17 bilhões, no terceiro ano, e para R$ 58 bilhões, no quarto e último ano de implantação do novo critério. Mas como a arrecadação cresce num ritmo semelhante ou até superior ao do PIB, os valores dessa trajetória certamente seriam mais altos.

No ano passado, o governo lutou para derrubar o critério baseado na vinculação de receita corrente bruta, que já constava no texto original proposto por Viana. Tanto que, ao tramitar pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, onde foi relatado pela senadora Patrícia Saboya (PSB-CE), o projeto foi alterado nesse ponto.

Prevaleceu, no substitutivo da CAE, fórmula semelhante à atual, que determina ao governo federal aplicar em saúde montante equivalente ao aplicado no ano anterior, acrescido do percentual nominal de variação do PIB. A vinculação à receita foi resgatada no substitutivo da Comissão de Assuntos Sociais (CAS), onde o projeto de Viana foi relatado pelo senador Augusto Botelho (PT-RR).

Agora, o projeto aguarda inclusão na pauta do plenário. Conforme o deputado Perondi, se o critério da CAS prevalecer, o resultado da negociação tenderá a ser mantido na votação pela Câmara dos Deputados. Também está na fila da ordem do dia do Senado um projeto já aprovado pela Câmara, de autoria do ex-deputado Roberto Gouveia (PT-MG), que também adota a variação do PIB como critério e ainda dá um adicional.

O problema é que esse adicional foi vinculado à Contribuição Provisória de Movimentação Financeira (CPMF), que caiu no final de 2007. Por isso, a bancada da saúde já descartou apoio a esse projeto.

Perondi destaca que, nos últimos anos, caiu a participação da União nos gastos totais do setor público com saúde. De quase 64% em 1995, essa participação já tinha se reduzido para algo próximo a 60% em 2000, ano de promulgação da emenda 29. Nos anos seguintes, caiu ainda mais, chegando a uma participação de 46,7% em 2006.

O deputado federal, que também é médico, ressalta ainda que, no Brasil, o setor público responde por menos da metade dos gastos totais com saúde: 49% em 2007. Os outros 51% foram desembolsos privados, diretos das famílias ou dos planos privados de saúde.