Título: Conselho flexibiliza regras do drawback
Autor: Watanabe , Marta ; Landim , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 31/03/2008, Brasil, p. A3

Alberto Daudt de Oliveira: decisão de última instância do Conselho de Contribuintes "pode nortear futuras decisões" Beneficiária do "drawback", a Usina Açucareira Ester realizou, em 1996 e 1997, importações de álcool para posterior beneficiamento e exportação. Apesar de ter exportado pelo menos US$ 13 milhões em álcool processado em cumprimento às metas estipuladas para usar o "drawback", a usina paulista, localizada na região de Campinas, foi autuada por não ter pago os impostos na importação dos insumos. O "drawback" é um benefício fiscal, que permite importar insumos sem pagar taxas desde que o produto final seja exportado.

A fiscalização alegou que parte do álcool importado sob o regime de "drawback" foi processado e vendido internamente. A Receita apontou, inclusive, exportações feitas com declaração de uso de insumos que teriam sido importados após a data de venda ao exterior. A fiscalização exige a "vinculação física": o insumo importado deve ser exatamente o que será usado na fabricação dos produtos a serem exportados. Eles não podem ser substituídos por insumos comprados internamente ou mesmo importados fora do período de uso do incentivo, explica Igor Nascimento de Souza, do Souza, Schneider e Pugliese Advogados.

O caso da Usina Ester gerou a primeira decisão da instância máxima do Conselho de Contribuintes favorável às empresas nessa questão. Em julgamento unânime, o Conselho decidiu que a vinculação não precisa ser física, mas somente financeira. Ou seja, basta que a empresa cumpra o compromisso que assumiu de importar determinado volume de insumos para cumprir a meta estabelecida de exportação. A proporção de matéria-prima importada e produto exportado varia conforme cada processo produtivo.

A decisão vem num momento em que a iniciativa privada e o governo discutem várias questões sobre "drawback" para uma prometida desburocratização do incentivo fiscal. O governo, porém, receia que a desvinculação física dê margem a fraudes, com a substituição de insumos adquiridos dentro do incentivo por outros diferentes ou de qualidade inferior. Por exemplo, um fabricante de chocolates pode importar cacau fino livre de impostos usando o incentivo, mas misturar no chocolate exportado um cacau nacional mais barato. O cacau fino, nesse caso, seria vendido no mercado interno em condições mais vantajosas que os demais importadores.

"É quase impossível para algumas empresas ter dois estoques diferentes", diz Roberto Giannetti da Fonseca, diretor do departamento de comércio exterior da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), que defende o fim da vinculação física. "As empresas gastam com litígio em casos que poderiam ser solucionados administrativamente se houvesse mais boa vontade da Receita Federal." José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB), admite que a vinculação física é um princípio do "drawback", mas ressalta que, em casos de insumos rigorosamente iguais, não deveria ser necessária. Ele critica que hoje só existem regras para a concessão do "drawback" e não para sua fiscalização. "A decisão quase que deixa de ser da Receita e passa a ser do fiscal."

Enquanto não há consenso, as autuações chegam às empresas. Alberto Daudt de Oliveira, do Castro, Daudt e Galoti Olinto Advogados, especializado em tributação aduaneira, defende empresas em cerca de 200 processos originados com autuações fiscais sobre essa questão específica do "drawback." "A decisão da última instância do Conselho é interessante, porque pode nortear futuras decisões. Até agora o assunto era alvo de divergência entre os conselheiros", diz. Segundo o advogado Edison Corazza, do Loeser e Portela Advogados, escritório que representa a Usina Ester, mais da metade dos clientes que usam drawback é alvo desse tipo de discussão.

Mesmo considerando a vitória da Ester como precedente valioso, os advogados lembram que a decisão não favorecerá imediatamente as empresas que discutem o assunto em instâncias inferiores. A Petrobras, por exemplo, foi autuada em R$ 3,3 milhões por ter importado, em 1999, dentro do drawback, metanol para a produção de aditivos para combustíveis. A companhia cumpriu as metas estipuladas para os volumes de importação de metanol e exportação dos aditivos, mas a Receita alegou que não houve vinculação física. Parte do metanol utilizado para fabricação do combustível exportado teria sido adquirido no mercado interno.

A companhia contestou a exigência de vinculação física, mas a decisão do Terceiro Conselho de Contribuintes foi desfavorável. A Petrobras terá de esperar a decisão da instância máxima do Conselho para tentar derrubar a autuação.

De acordo com Castro, da AEB, um dos setores mais afetados pela necessidade de vinculação física é o químico e petroquímico, pois os insumos são líquidos e muitas vezes as empresas não dispõem de tanques diferentes para o produto importado e o adquirido no Brasil. Ele diz que o receio de autuações leva empresas a abrir mão do "drawback". Segundo a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), cerca de US$ 1,5 bilhão em insumos químicos chega ao país utilizando o "drawback", o que significa cerca de 10% das importações totais. Sem o benefício, esses produtos pagariam tarifa média de importação de 8,6%.

As autuações que exigem vinculação física no "drawback "não se restringem à importação de insumos que se agregam ao produto exportado. Em alguns casos a Receita estende a exigência a materiais e ferramentas consumidos no processo de produção. Foi o que aconteceu no caso da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), autuada porque não comprovou à fiscalização que 55,5 toneladas de cilindros importados em 1997 dentro do "drawback" foram usados especificamente para exportar a meta de 20 mil toneladas de produtos laminados. No caso da CSN, porém, o Conselho derrubou a exigência de vinculação física.

"O drawback é um benefício fiscal, não é um direito, mas cada produto tem suas particularidades", diz o secretário de Comércio Exterior, Welber Barral, acrescentando que a vinculação física entre o insumo importado e o produto exportado é uma das regras principais do benefício. Barral diz que há uma demanda da indústria para o fim dessa exigência e que o assunto será discutido, mas ressalta que é polêmico, por conta da possibilidade de fraudes. "Os casos se tornam cada vez mais específicos por conta da complexidade da indústria brasileira. É preciso avaliar cada processo."

O governo pretende modernizar as ações de comércio exterior e reduzir a burocracia. No caso do "drawback", todas as operações passarão a ser online, para acabar com falhas administrativas, como a empresa não relacionar a exportação ao ato de concessão do benefício e por isso ser autuada. Essas mudanças, no entanto, não resolverão a polêmica da vinculação física.