Título: Protesto vai bloquear caminhões do Brasil
Autor: Rocha , Janes
Fonte: Valor Econômico, 31/03/2008, Internacional, p. A12

O conflito entre os agricultores e o governo argentino vai ultrapassar as fronteiras do país e atingir o comércio com o Brasil. Os produtores em greve baseados na província de Entre Ríos, na fronteira com o Uruguai, decidiram em assembléia ontem à noite que vão fechar a passagem de todos os caminhões estrangeiros que chegam pela Rodovia do Mercosul. O objetivo é impedir a entrada de alimentos (alvo da paralisação), e segundo disse o líder do movimento grevista em Gualeguaychú, Alfredo de Angelis, ao canal de TV Todo Notícias, seria inviável selecionar caminhões estrangeiros com e sem alimentos. Por isso decidiu-se parar todos.

O protesto dos produtores, que hoje completa 19 dias, já fechou o trânsito com piquetes em 86 localidades de 11 províncias. Eles pressionam o governo para que volte atrás no aumento dos tributos cobrados sobre as exportações de grãos, especialmente a soja.

O movimento se transformou na primeira grande crise política da presidente Cristina Fernández de Kirchner e já é considerado uma das piores entre o governo e o campo argentino dos últimos 30 anos. Por causa dos protestos, que provocaram escassez de alimentos nos supermercados e restaurantes do país, Cristina suspendeu a primeira viagem oficial que faria esta semana, a Londres.

Os ruralistas ganharam apoio da população urbana, que na semana passada saiu às ruas de Buenos Aires e outras quatro capitais, batendo panelas e empunhando cartazes contra o governo. Para desfazer a imagem de perda do apoio popular, políticos aliados e o ex-presidente Nestor Kirchner, estão organizando uma manifestação de apoio a Cristina amanhã.

No fim da semana, os produtores deram uma pausa no movimento, por 24 horas, esperando um acordo com o governo numa reunião sexta-feira à noite entre as principais lideranças rurais e os ministros da Casa Civil e da Economia. Do lado dos agricultores estavam representantes da Federação Agrária (FAA), Sociedade Rural Argentina (SRA), Confederações Rurais (CRA) e da Coninagro.

Mas a reunião fracassou e no sábado os produtores anunciaram a retomada dos protestos. Os ruralistas pediram que o governo anulasse o aumento das retenções e mantivesse o sistema anterior, que taxava as exportações de soja com uma retenção fixa de 35%. Os ministros disseram que isso era impossível, e ofereceram em troca a devolução de parte do aumento aos pequenos produtores, que ganhariam também uma nova Subsecretaria para elaborar políticas específicas de incentivo.

Os representantes dos agricultores fizeram uma contraproposta, de adiamento do novo sistema de retenções por 90 dias - que foi negado. Hugo Biolcati, vice-presidente da SRA, disse ao jornal "La Nación" que a oferta feita pelos ministros apenas reeditava medidas prometidas nos últimos dois anos e nunca colocadas em prática. Os produtores pedem, além da redução de retenções, um plano para estimular a produção de carne e leite, com a liberação da exportação de cortes bovinos que não sejam de consumo popular. Sem acordo, ficou combinada nova reunião hoje, mas os líderes dos agricultores não puderam evitar que os manifestantes retomassem a paralisação. Na semana passada, Cristina Kirchner disse que só negociaria se os produtores liberassem as estradas.

Ontem à tarde as entidades que lideram o movimento divulgaram uma nota reafirmando a intenção de prosseguir o diálogo com o governo e pedindo às suas bases que liberem a passagem de produtos lácteos e outros perecíveis. Já o ministro do Interior, Florencio Randazzo, soltou outra nota, criticando a posição dos agricultores: "Lamento profundamente que a poucas horas de iniciado o diálogo entre o governo e os dirigentes do setor agropecuário, se resolva voltar a bloquear as estradas, medida que o único que consegue é fazer faltar produtos básicos para nossas crianças e idosos".