Título: Plano que amplia poderes do Fed pode ser ameaça a lucros
Autor: Smith , Randall ; Craig , Susanne
Fonte: Valor Econômico, 31/03/2008, Internacional, p. A12

Com o olhar de um operador para risco e recompensa, Wall Street viu um potencial de ganho na possibilidade de que as propostas do governo americano para reforma do sistema financeiro tragam uma regulamentação e fiscalização mais leve e enxuta, mas ficou com receio de que regras elaboradas para dar mais segurança ao mercado possam afetar os lucros.

O secretário do Tesouro americano, Henry Paulson - ex-diretor-presidente da Goldman Sachs Group Inc. -, propõe uma ampla reforma do sistema que regula bancos, corretoras, bolsas e seguradoras dos Estados Unidos. A meta é enxugar a estrutura. Também propõe a transferência de poder dos governos estaduais para o federal, e a eliminação de algumas agências regulatórias, dando mais poder ao Federal Reserve, o banco central. O plano não deve ser aprovado no curto prazo, já que um presidente em fim de mandato e um Congresso cada vez mais dividido em linhas partidárias não devem tomar grandes medidas num ano eleitoral.

A decisão do Fed de emprestar dinheiro a firmas de Wall Street nas mesmas condições que faz para bancos comerciais abriu a porta para que as autoridades exijam mais informação delas. Também pode exigir que bancos de investimento como a Lehman Brothers Holdings Inc. e a Goldman Sachs mantenham uma maior reserva de capital do que se exige hoje. "Acho que essa é uma contrapartida realística pelo acesso aos instrumentos de crédito do Fed", diz Thomas Russo, diretor jurídico e vice-presidente do conselho da Lehman.

Isso seria compensado por um sistema regulatório mais eficiente. "Esse é um grande passo adiante na modernização dos mercados financeiros americanos", diz Russo. "Qualquer coisa que avance o atual sistema regulatório fragmentado rumo a uma estrutura mais coordenada é boa."

No ano passado, o número de reguladores que supervisionavam e inspecionavam as firmas de valores mobiliários nos Estados Unidos passou de três para dois, com a fusão da Associação Nacional de Corretores de Valores e do braço de fiscalização da Bolsa de Valores de Nova York, que resultou na criação da Autoridade Regulatória da Indústria Financeira (Finra, na sigla em inglês). O plano de Paulson pode diluir o poder de supervisão da outra agência reguladora, a Securities and Exchange Commission (SEC, a comissão de valores mobiliários), enquanto o Fed teria um papel maior.

Críticos argumentam que o objetivo deve ser uma regulamentação muito mais dura sobre Wall Street, especialmente para impedir que pequenos investidores sejam enganados e levados a comprar papéis arriscados que eles não entendem. Eles apontam para a atual bagunça envolvendo títulos conhecidos como "auction rate" (título de taxa variável com dividendo redefinido por leilão), que foram promovidos aos investidores como o equivalente a dinheiro, mas não podem agora ser vendidos e estão perdendo valor.

Os problemas com os leilões desses papéis surgiram depois das rachaduras no mercado de títulos municipais, no mundo dos financiamentos estruturados, nos derivativos como os papéis atrelados a hipotecas e, até alguns anos atrás, do estouro da bolha da internet, na qual as firmas de Wall Street promoveram empresas pontocom que não davam lucro e acabaram falindo.

Os fundos de "hedge" ficaram aliviados por não terem sido incluídos em qualquer nova proposta de mudança das regras, ou acusados como os culpados pela atual turbulência.

"Existia uma visão de que a culpa do problema poderia ser atribuída aos fundos de hedge", disse o ex-deputado Richard Baker, que em fevereiro assumiu a presidência da Managed Funds Association, a maior associação de fundos de hedge dos EUA, sediada em Washington.

A maior preocupação dos grandes bancos de investimento é o seu novo relacionamento com o Fed. Desde que começou a emprestar às principais corretoras, há duas semanas, o banco central exigiu informações detalhadas da situação financeira delas, dados que elas têm fornecido, disse um executivo de Wall Street. As corretoras não têm como negar essa exigência, se continuarem a ter acesso aos recursos com desconto.

Mas elas temem que o Fed e outras autoridades possam impor exigências maiores de capital mínimo para evitar um novo colapso como o do Bear Stearns, disse o executivo. Isso reduziria a disponibilidade de crédito em Wall Street, uma máquina de dinheiro que também é a fonte dos seus maiores riscos. As empresas de Wall Street geralmente tomam emprestado US$ 25 para cada US$ 1 de capital que possuem. Essa proporção lembra a relação entre dívidas e patrimônio dos mesmo tipos de fundos de investimentos, como o Carlyle Capital Corp., que desabaram com o menor declínio no valor de seus títulos hipotecários.

As corretoras devem se opor veementemente a essa proposta. Elas argumentarão que isso pode forçá-las a aumentar o custo dos produtos e serviços que fornecem às empresas, como as estratégias de "hedge" para compensar a alta do óleo combustível. Outro argumento é que elas não usam depósitos de poupança, garantidos pelo governo federal para financiar as suas operações, diferentemente dos bancos. (Colaboraram Jenny Strasburg e Karen Richardson)