Título: busca do controle de crédito sem alta dos juros
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Fonte: Valor Econômico, 31/03/2008, Opinião, p. A16

Afinda que o presidente Luis Inácio Lula da Silva tenha rejeitado as medidas de restrição ao crédito propostas pela área econômica, preocupada com as pressões inflacionárias decorrentes do descolamento entre a oferta e a demanda, estudos técnicos prosseguem. O Ministério da Fazenda, que chegou a anunciar que estava analisando reduzir os prazos do crédito, sobretudo para veículos, gostaria de cumprir uma missão com esses estudos: conter o processo inflacionário sem que o Banco Central se veja forçado a aumentar a taxa básica de juros. Como a oferta de crédito, em franca expansão, alimenta o poder de compra sobretudo de bens duráveis, restringi-la, argumentam os técnicos, seria uma contribuição do governo à tarefa do BC de conter a inflação dentro da meta.

O volume de crédito na economia é hoje de 34,9% do Produto Interno Bruto (PIB) e pode chegar a 40% do PIB até o fim do ano, caso se confirme a expansão de 25% nos empréstimos, conforme previsão das instituições financeiras. Embora seja o nível mais elevado desde maio de 1995, quando representava 35,1% do PIB, ainda é um percentual relativamente pequeno se comparado ao resto do mundo. Na Coréia, por exemplo, o crédito corresponde a 90% do PIB. No Chile, a 66% do PIB. Mas sua rápida expansão - ainda em 2004 o crédito correspondia a apenas 24,5% do PIB - embora seja um processo saudável, levou o Ministério da Fazenda a avaliar a viabilidade de medidas restritivas aos empréstimos a pessoas físicas.

Medidas dessa natureza, porém, trariam problemas políticos ao governo Lula - que ofereceu aos mais pobres a oportunidade de adquirir bens não duráveis antes inacessíveis - além de ser de eficácia bastante duvidosa. O diretor do BC, Mário Mesquita, em entrevista na quinta-feira, quando da divulgação do relatório trimestral de Inflação, citou alguns dados que merecem ser analisados. Segundo ele, o crédito dá forte impulso à demanda de bens duráveis, mas esta responde por somente 9,8% do IPCA (índice oficial do regime de metas para a inflação). Já a demanda por bens não duráveis, responsável por 26,5% do índice, não é sensível à oferta de crédito e sim ao aumento da renda.

Os indicadores do crédito do BC também sugerem que se eventualmente as restrições forem direcionadas apenas a pessoas físicas ou à venda de veículos, os efeitos sobre o consumo serão bem limitados. O crédito livre destinado a pessoas físicas representava apenas 12% do PIB nos 12 meses encerrados em fevereiro. As operações de financiamento para a aquisição de automóveis respondem por menos da metade do crescimento do crédito a pessoas físicas. Apesar de algumas instituições financeiras anunciarem financiamentos de veículos com prazo de até 99 meses, segundo o BC o prazo médio das operações contratadas foi de 19,8 meses em fevereiro. Em fevereiro de 2007, estavam em 18,1 meses.

A grande aspiração da Fazenda é conseguir realizar o sonho de todos os economistas, sejam heterodoxos ou ortodoxos, e sugerir providências alternativas ao aumento dos juros que sejam capazes de reduzir a demanda agregada da economia sem, contudo, desestimular os investimentos. Já está provado que a primeira reação dos empresários a um aumento da taxa é exatamente o adiamento da decisão de investir. Aumentar os juros agora, portanto, seria jogar um balde de água fria na possibilidade de expansão mais rápida da oferta.

Não foi por acaso, certamente, que os dois primeiros quadros a constar da apresentação de Mário Mesquita, quando da divulgação do relatório de Inflação (que aponta o aumento no balanço de riscos da inflação), tenham sido sobre o comportamento da inflação e dos juros em outros países do mundo. Os dados sobre inflação mostram que ela é crescente em boa parte das economias. Essas mesmas economias já vêem aumentando suas taxas domésticas para frear o movimento altista de preços, à exceção dos Estados Unidos que amargam uma crise de dimensão ainda desconhecida.

Um remédio alternativo de reconhecida eficácia ao aumento dos juros, para acomodar as pressões inflacionárias no âmbito das metas de 2008 e 2009 (de 4,5%), seria o reforço fiscal pela elevação da meta de superávit primário do setor público. Como o governo não cogita aumentar o controle sobre a expansão do gasto público e rejeita a elevação da Selic, aos economistas da Fazenda resta buscar saídas laterais.