Título: Siderúrgica altera ritmo de vida em Anchieta
Autor: Santos , Chico
Fonte: Valor Econômico, 31/03/2008, Especial, p. A20

José Tadeu de Moraes, presidente da Samarco: estudos adiantados para instalar pelo menos mais uma usina pelotizadora de minério de ferro em Anchieta O município de Anchieta, no litoral Sul do Espírito Santo, ocupa uma faixa de terra de 405 quilômetros quadrados entre o Oceano Atlântico e a rodovia BR-101, mas a quase totalidade dos seus 19.459 habitantes vive em uma estreita faixa de terra à beira mar, entre praias e lagoas. A população está distribuída por núcleos praianos, sendo os mais importantes os de Ubu, Castelhanos, Iriri e a própria cidade de Anchieta. Apesar da péssima (falta de) concepção urbanística da ocupação humana, as praias e as lagoas continuam belíssimas.

Ao lado da maior e mais bela das lagoas, Mãe-bá, fica o complexo industrial da Samarco, único do município, hoje formado por duas usinas para pelotização de minério de ferro com capacidade para 7 milhões de toneladas cada. São alimentadas por um mineroduto vindo da região de Ouro Preto e Mariana, em Minas. O complexo seria quase imperceptível em meio ao verde, se não fosse desembocar, por meio de correias transportadoras, em um porto de águas profundas na Ponta de Ubu, visível a longa distância no litoral capixaba.

A população de Anchieta cresce preguiçosamente, tanto que aumentou em apenas 242 indivíduos entre o Censo de 2000 e 2007. Favorecido pela baixa densidade demográfica (exceto no verão, quando é invadida por levas de mineiros) e pela presença do complexo da Samarco, o município tem a maior arrecadação per capita do Estado, com R$ 3.194 em 2006, segundo a publicação "Finanças dos Municípios Capixabas". Em 2007, a Samarco, sozinha, gerou R$ 16,5 milhões para os cofres municipais.

Essa quase letargia da cidade está com os dias contados. Perfeita para abrigar o belíssimo santuário que começou a ser construído em 1565, pelo padre e poeta jesuíta José de Anchieta -o co-fundador de São Paulo, em 1554 -, e que hoje guarda seus restos mortais. Anchieta tem ruas estreitas e com calçamento irregular, péssimas para receber a massa populacional esperada a partir da instalação do complexo industrial já aprovado para se assentar na área contígua às instalações da Samarco.

Serão, pelo menos, dois novos portos, uma siderúrgica para 5 milhões de toneladas de placas de aço por ano, uma planta de processamento de gás natural, uma termelétrica e número não definido de novas usinas de pelotização de minério. Antes que a chinesa Baosteel se associasse à Vale para construir no local a Companhia Siderúrgica Vitória (CSV), prevista para operar no fim de 2011, o Plano Diretor de Anchieta previa que a cidade passaria dos atuais 20 mil habitantes, para 100 mil em 15 anos.

"Achamos agora que isso virá em sete ou oito anos", diz o prefeito Edival José Petri (PSDB). O primeiro dos novos empreendimentos começa no próximo mês, a terceira usina de pelotas da Samarco, para 7 milhões de toneladas/ano. Junto com o novo mineroduto para abastecê-la, custou R$ 3,1 bilhões.

Controlada em partes iguais pela Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton, a Samarco possui estudos adiantados para fazer pelo menos mais uma pelotizadora no local, segundo disse ao Valor seu presidente, José Tadeu de Moraes. "É uma vontade da empresa, mas ainda está em estudos", afirmou.

Antes que a Samarco transforme a vontade em ação, a Petrobras já instalou canteiro de obras em terreno adquirido da mineradora para construir uma usina de tratamento de gás (UTG) no local. A obra empregará 800 pessoas e está prevista para operar em 2009. A estatal iniciou também as sondagens do terreno para construir, na paradisíaca Praia do Além, base de suprimento para as plataformas marítimas. Segundo Petri, a base deve operar a partir de 2010.

A considerar pelas obras da Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), no Rio, de porte semelhante, a construção da CSV vai absorver cerca de 15 mil trabalhadores. A obra está orçada em US$ 4,1 bilhões. Trará com ela um porto de águas profundas contíguo ao da Samarco, orçado em US$ 500 milhões, e uma ferrovia, a Litorânea Sul, de 160 quilômetros, que vai ligar a ferrovia Vitória-Minas ao restante do sistema ferroviário do Sudeste do país. O custo será de US$ 400 milhões. Além disso, os gases da coqueria da CSV vão girar as turbinas de uma termelétrica de 400 megawatts, o dobro do consumo previsto para a siderúrgica.

O governo do Estado reservou uma área longe dos atuais núcleos urbanos para a expansão industrial, mas a prefeitura de Anchieta vive um misto de euforia e apreensão com tanta novidade. "A cidade precisa de uma reestruturação no seu espaço urbano", resume o prefeito. O plano diretor do município, já concluído, não permitirá a construção de prédios de mais de três andares na orla e nem a expansão industrial para além da área desapropriada pelo Estado.

A cidade de Macaé, no Rio de Janeiro, abriga apenas a base de apoio da Petrobras à exploração e produção de petróleo na bacia de Campos, área responsável por mais de 80% de todo o óleo hoje extraído do subsolo brasileiro. Mas não tem siderurgia, nem pelotizadoras e nem porto internacional. Mesmo assim, a população do município saiu de cerca de 30 mil pessoas, no começo dos anos 1980, para os 169,5 mil atuais. A prefeitura de Macaé calcula que cerca de 20 mil domicílios (cerca de metade) está localizada em favelas.

A cidade fluminense é o exemplo negativo que Anchieta quer a todo custo evitar. Para Petri, o caminho é planejar a cidade para receber o fluxo populacional que os projetos irão gerar e treinar o máximo possível de pessoal, em escolas do município, do Estado, da União e de organismos como Senai e Sebrae. Algumas dessas escolas já estão sendo preparadas.

Na construção da terceira usina da Samarco, que, junto com o mineroduto, chegou a empregar quase 6 mil pessoas, a estratégia deu certo. A prefeitura transformou um ginásio de esportes em centro tecnológico para treinamento de pessoal - que depois de tornou permanente -, onde já foram treinadas cerca de 3 mil pessoas. Segundo o presidente da Samarco, só foi preciso atrair de outras regiões do país mão-de-obra mais especializada, do tipo que quando termina a obra tem demanda em outras regiões.