Título: Crise de hipotecas não impede captações externas de US$ 5,8 bi
Autor: Lucchesi , Cristiane Perini
Fonte: Valor Econômico, 31/03/2008, Finanças, p. C1

Empresas e bancos brasileiros captaram US$ 5,8 bilhões no mercado externo em empréstimos sindicalizados (com a participação de mais de um banco) e títulos no exterior no primeiro trimestre deste ano, em meio à forte crise de liquidez para o sistema financeiro dos países ricos. Lançamento de títulos chegaram a acontecer, mas o mercado de eurobônus foi ficando mais difícil, com a volatilidade crescente e a necessidade de injeção de recursos pelo Fed, banco central americano, para salvar bancos.

Até a Petrobras teve de voltar atrás em operação de US$ 500 milhões em eurobônus, que lançou no dia 12 de fevereiro, pois não aceitou os prêmios pedidos. O BicBanco sondou investidores em janeiro para lançar títulos no exterior, mas desistiu. O mercado de empréstimos bancários externos continua aberto, no entanto, como mostram as transações de US$ 110 milhões do próprio BicBanco, que acabou de fechar, e de US$ 200 milhões do Unibanco, que está no forno. As garantias exigidas pelos credores, no entanto, cresceram. As duas captações são vinculadas à exportação e por isso são consideradas de menor risco.

Os títulos conversíveis em ações também podem começar a ganhar volume, segundo Alexei Remizov, responsável pela área de mercado de capitais do HSBC. "Empresas que têm ações líquidas, como por exemplo as do setor imobiliário, podem lançar esses papéis, que atraem mais o investidor", diz. O Bradesco e o Banco do Brasil optaram por dar como garantia aos investidores o fluxo de ordens de pagamento de seus clientes no exterior ao Brasil para conseguir condições melhores em captações respectivas de US$ 500 milhões e US$ 250 milhões feitas em março.

Nessas estruturas de securitização, é criada uma empresa de propósito específico no exterior, que fica com o fluxo de ordens de pagamento antes que ele entre no país, eliminando o risco de que centralização cambial ou moratória e segregando, ao menos parcialmente, o risco da operação do risco do tomador. O BB ainda adicionou seguro de risco de crédito.

Outros bancos, como o Sofisa e o Pine, optaram por empréstimos com o apoio de organismos multilaterais, de fomento ou agências de crédito à exportação. O Sofisa obteve US$ 185 milhões em janeiro com apoio da International Finance Corporation, braço financeiro do Banco Mundial. Como a IFC é credora preferencial, a primeira a receber em caso de uma moratória, o risco para os bancos participantes é reduzido. O tomador, por sua vez, não paga Imposto de Renda de 15% sobre os juros remetidos. O Pine obteve US$ 140 milhões desde o final de 2006 no exterior com a ajuda de agências governamentais dos países ricos. Enquanto isso, resgatou US$ 30 milhões em eurobônus em 2007 e mais US$ 8 milhões em março, além de outros US$ 20 milhões a serem resgatados em abril.

"Os bancos estão oferecendo crédito de longo prazo no Brasil e precisam realizar captações de mais longo prazo no exterior para casar ativos e passivos", diz Remizov, do HSBC. O banco liderou operação da Usiminas de US$ 1,3 bilhão, US$ 100 milhões acima do previsto inicialmente, para comprar a mineradora mineira J. Mendes. O empréstimos fechou no meio do furacão, em meados de março, com sucesso. Remizov lembra que, no entanto, durante o período de distribuição da operação a outros bancos, teve autorização da empresa para negociar os prêmios de risco livremente. Em situações de maior calmaria, as empresas fixam o prêmio que querem e permitem só alterações pequenas. Isso não seria possível hoje, diz.

A Usiminas pagou na parcela que foi um pré-pagamento à exportação de US$ 300 milhões com prazo de vencimento em sete anos um prêmio de Libor, a taxa interbancária de Londres, mais 1,35% ao ano. O Grupo Votorantim pagou prêmios menores em operação fechada no início de fevereiro, quando os mercados estavam mais calmos, de US$ 1,3 bilhão. A parcela que foi pré-pagamento de US$ 500 milhões com prazo de também sete anos pagou 0,825% ao ano sobre a Libor.

É importante notar que a Vale conseguiu com tranqüilidade nada menos do que US$ 50 bilhões de crédito externo para comprar a Xstrata e, se a operação acabou não saindo, não foi por causa da disponibilidade desses recursos.

Captações por meio de eurobônus chegaram a acontecer em janeiro, com US$ 750 milhões da Petrobras e US$ 400 milhões da Usiminas. O BMG e o Cruzeiro do Sul aproveitaram nichos e captaram US$ 100 milhões e US$ 200 milhões por meio de títulos, sob a liderança da BCP Securities.