Título: Aos rebeldes, a expulsão
Autor: Iunes, Ivan
Fonte: Correio Braziliense, 12/02/2011, Política, p. 6

O governo federal orientou os partidos da base aliada a ameaçarem de expulsão os dissidentes na votação do reajuste do salário mínimo. Parte dos parlamentares governistas ameaça reforçar a posição das centrais sindicais e da oposição, e negocia nos bastidores um valor de R$ 560 para a remuneração-base, R$ 15 acima do que foi sugerido pela equipe econômica. O Palácio do Planalto pediu aos líderes de partidos aliados que fechem questão em torno do novo mínimo. Na prática, a medida abre uma brecha para que os infiéis sejam expulsos das legendas.

Escolado por derrotas recentes no Congresso Nacional, entre elas a do reajuste das aposentadorias e o fim do fato previdenciário, o governo decidiu conter, logo no início do mandato, qualquer dissidência na base governista. ¿Nós consideramos dissidente quem votar contra a política do governo: dissidente¿, avisa o líder do governo, Cândido Vaccarezza (PT-SP). A preocupação mais acentuada do Palácio do Planalto está na votação da Câmara, onde a possibilidade de traição tem sido mais evidente, especialmente no PMDB. O Palácio do Planalto trabalha com o apoio, em porteira fechada, de pelo menos cinco legendas: PTB, PR, PCdoB e PP. A cúpula do PMDB também anunciou que votará nos R$ 545, mas há dúvidas quanto à fidelidade da base, especialmente em bancadas estaduais, como a de Santa Catarina e a do Rio Grande do Sul.

A luz de alerta no governo acendeu principalmente depois que a oposição entrou em acordo com o PDT em torno de um reajuste de R$ 560. Como a cifra é considerada apenas um pouco superior à apresentada pelo governo, a probabilidade de os dissidentes toparem reforçar a pedida provocou reação imediata no Planalto. ¿Eles podem até tentar levar adiante essa ameaça, mas nem todos os partidos vão ter força para fechar questão. Tem muita gente dissidente que não concorda com esse valor. O governo sabe que, se deixar do jeito que está, vai perder; por isso, vem aumentando a pressão¿, diz o deputado federal Paulo Pereira da Silva (PDT-SP).

Inflação A principal argumentação dos sindicalistas é de que o salário mínimo exigido pelo governo penaliza exatamente a parcela da população que recebe de um a dois salários mínimos e meio. O valor atual foi calculado sobre a inflação de 6,5%, registrada no ano passado (leia mais na página 14). Mas os produtos comumente adquiridos pelos consumidores mais pobres tiveram alta maior em 2010, de 7,4%. A reivindicação trabalhista é de que parte do mínimo de 2012, que deve fechar em R$ 615, seja antecipado agora. Mesmo entre os petistas, há dissidentes que defendem um mínimo turbinado. ¿Há espaço no Orçamento para um mínimo de R$ 560¿, diz um deputado federal do partido.

Para o governo, os R$ 545 são essenciais para garantir a estabilidade da economia e, principalmente, controlar a inflação. ¿O salário mínimo é resultado de uma conta ajustada pelas centrais do reajuste acumulado pela correção monetária. O governo propôs uma lei para que isso não seja modificado no futuro¿, afirmou o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR). De acordo com o governo, o valor articulado pela oposição e centrais significaria um rombo de R$ 4,3 bilhões nas contas federais, fora o impacto nos municípios.

O preço do aumento

R$ 286 milhões »Custo estimado para o governo federal a cada R$ 1 concedido de aumento

R$ 4,3 bilhões » Impacto no orçamento se o valor aprovado for de R$ 560, superior ao previsto pelo governo

R$ 1,9 bilhão » Despesa para as contas municipais caso um aumento de R$ 560 saia da Câmara

R$ 850 milhões » Custo estimado de um mínimo de R$ 560 para as prefeituras do Nordeste

Ana Amélia não se abalou » Denise Rothenburg

Quando o assunto é salário mínimo, a dissidência na base aliada do governo no Senado começa por uma mulher. E de raiz política no Rio Grande do Sul, como a presidente Dilma Rousseff. A senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS) está decidida a votar em favor do salário de R$ 600 defendido pelos tucanos. Estreante na política, ela considera que não há como ficar contra o valor que seu candidato a presidente, José Serra, apresentou durante a campanha eleitoral. ¿Tenho que ter coerência. Na campanha, fizemos a defesa dos R$ 600 que Serra defendia. Não posso dar as costas ao que o nosso candidato pregou na campanha¿, afirma.

Ana Amélia fez parte da coligação da ex-governadora Yeda Crusius, derrotada pelo petista Tarso Genro no primeiro turno. Mas, ao mesmo tempo em que os gaúchos elegeram Tarso no primeiro turno, preferiram José Serra na sucessão presidencial. A senadora não pretende largar esses eleitores que defenderam a candidatura de Serra e, por tabela, o mínimo de R$ 600.

Ela avisou ao líder da bancada e presidente do partido, Francisco Dornelles (RJ), que não tem como atender o governo nesse quesito, mas fará uma oposição equilibrada à administração de Dilma. O que considerar positivo, votará a favor. Quando não estiver convencida, votará contra. Da base governista no Senado, Ana Amélia é o primeiro voto declaradamente contrário à proposta do governo.

Efeito maior nos pequenos Aqueles com restrição a fixar um mínimo superior a R$ 545 têm como motivação o efeito cascata que o aumento provocaria nas contas públicas. No governo federal, a estimativa é de que o impacto chegue a R$ 4,3 bilhões, a maior parte absorvida pela Previdência Social e uma parcela menor nos contratos de terceirização de serviços. O abalo será mais forte nos pequenos municípios, onde boa parte dos funcionários públicos recebe até dois salários mínimos.

As contas da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) mostram que as prefeituras, especialmente as do Nordeste, terão sérias dificuldades para cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal caso o mínimo seja aprovado em R$ 560. Somente o aumento previsto, dos atuais R$ 510 para R$ 545, consumiria R$ 1,3 bilhão dos cofres municipais.

Impacto bilionário Se o valor for turbinado pela oposição, o cálculo do impacto atingiria R$ 1,9 bilhão. ¿Trinta e nove por cento dos servidores municipais das prefeituras do Nordeste ganham até um salário e meio. O impacto fará os prefeitos entrarem em parafuso, já que eles terão oito meses para adaptar o rombo ao orçamento. E isso só poderá ser feito demitindo pessoal ou aumentando impostos¿, reclama o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski.

Para o economista da Universidade de Brasília Roberto Elleri, o aumento excessivo do mínimo também gera impacto imediato na inflação. ¿Se você força o reajuste, aumenta a inflação, porque as empresas repassam isso para os produtos. Esse tipo de política não deu bons resultados no passado e a inflação saiu do controle¿, lembra Elleri. (II)