Título: Para empresários, governo enfrenta inferno astral no comércio exterior
Autor: Leo , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 01/04/2008, Brasil, p. A2

Os empresários já chamam de "inferno astral do comércio exterior": retenção de caminhões na fronteira com a Argentina, atrasos provocados pela greve dos auditores da Receita Federal nas alfândegas e dificuldades provocadas com a mudança do funcionamento do departamento de Comércio Exterior (Decex), do Rio de Janeiro para Brasília, que reduziu o número de funcionários encarregados da análise de licenças de importação. O governo avalia que os atrasos nos embarques e desembarques das mercadorias poderão ser compensados nos próximos meses, mas teme efeitos sobre decisões de investimento e exportação no Brasil.

"As alterações no fluxo normal de comércio acabam afetando a segurança institucional para os exportadores e importadores", disse ao Valor o secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Welber Barral. "Nos preocupam os efeitos não só para o comércio, mas para os investimentos."

Somente hoje, ao concluir o levantamento dos resultados da balança comercial em março, Barral espera divulgar o impacto real provocado no comércio externo pela retenção de produtos nas alfândegas e na fronteira com a Argentina. Ele acredita que não será muito grande: técnicos da secretaria falam que não deve ultrapassar 15% do total. O governo espera que, como das vezes anteriores, a normalização do trânsito nos portos e fronteiras permita a recuperação dos atrasos.

Para o economista-chefe da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex), Fernando Ribeiro, os problemas nas fronteiras e portos não devem afetar sensivelmente as cifras de comércio, que até devem melhorar no segundo trimestre, com a entrada em vigor de novos contratos de exportação de commodities, com preços maiores. As retenções causam, porém, sérios prejuízos para os empresários, obrigados a pagar custos adicionais de fretes, multas e interrupção de linhas de produção.

"Esses problemas não podem ser analisados do ponto de vista macroeconômico, mas do microeconômico", diz o diretor do departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Federação das Indústrias de São Paulo, Roberto Giannetti da Fonseca, que comemorava ontem uma vitória do setor privado, com a liminar da Justiça paulista que obrigou as alfândegas a desembaraçarem as mercadorias retidas em até 48 horas.

Segundo Giannetti, a repetição anual das greves nas alfândegas aumenta o custo dos fretes cobrados no Brasil, gera prejuízos principalmente aos produtores e importadores de bens perecíveis e afeta as linhas de produção. Ele levanta o debate sobre a necessidade de retirar da Receita Federal o controle dos postos alfandegários, já que o imposto de importação é um tributo regulatório, não voltado à arrecadação de receitas. "Todo ano se repete essa história. As alfândegas deveriam passar à órbita do Ministério do Desenvolvimento, com pessoal qualificado e especializado para atuar no setor."

No governo, há expectativa de normalização dos fluxos de comércio a partir desta semana, com a decisão da Justiça paulista e a intervenção do governo argentino nas fronteiras, que desfez com forças policiais os bloqueios de caminhoneiros, descontentes com novos impostos de exportação decretados sobre produtores argentinos. As queixas contra demora na liberação de licenças de importação já movimentam o Congresso em Brasília, onde parlamentares têm criticado o governo, em conversas reservadas, pelo que classificam como um "apagão" das licenças de importação.

"É natural que os políticos atuem em defesa do interesse dos eleitores, mas estamos atendendo aos pedidos de acordo com a legislação", reage Barral, que determinou o atendimento dos processos de licença por ordem cronológica de entrada no Decex. Nas licenças para operações de "drawback", importação de insumos para fabricação de bens exportáveis, as dificuldades são provocadas, na maior parte, por problemas nas operações das empresas com o sistema de controle, segundo o secretário, que acredita poder normalizar as operações ainda este ano, com maior informatização do sistema.

Barral admite que há um "gargalo" na análise das licenças de importação para máquinas usadas. Dos 22 especialistas que trabalhavam no assunto, no Decex, no Rio, apenas um transferiu-se para Brasília. Mas o ministério vem preenchendo as vagas e normalizando as análises, embora tenha tomado uma decisão que desagrada aos empresários: quando há erros nos pedidos de licença, o projeto é imediatamente rejeitado e devolvido ao peticionário. O maior problema nem é a falta de pessoal, mas o despreparo de "despachantes" e as tentativas de importação de bens usados em desacordo com a legislação, que proíbe a entrada de máquinas com mais de 40 anos de uso, ou com similares fabricados no país, diz o secretário.