Título: Cristina não negocia e enfrenta os ruralistas
Autor: Rocha , Janes
Fonte: Valor Econômico, 01/04/2008, Internacional, p. A9

AP Garantia policial: caminhão passa por rodovia em Gualeguaychú, na Argentina, aberta por um batalhão da polícia O governo argentino deu uma nova demonstração de força aos agricultores ontem ao reiterar o sistema de retenções sobre as exportações de soja e girassol, em meio a um pacote de medidas de estímulo ao campo anunciadas à noite pelo ministro da Economia, Martín Lousteau.

As retenções, uma espécie de imposto sobre a venda do produto ao exterior, foram elevadas, no caso da soja, de 35% fixos para uma faixa móvel entre 20% e 44%, de acordo com o preço dos grãos no mercado internacional. A mudança, feita a duas semanas do início da colheita da safra deste ano, foi o motivo do protesto dos produtores rurais que há 20 dias interrompem o trânsito nas estradas e causam desabastecimento de alimentos nos principais centros urbanos.

As medidas de estímulo incluem uma compensação aos pequenos agricultores (que produzem até 500 toneladas), com crédito em dinheiro na conta corrente, além de subsídios equivalentes à metade do custo do frete para os produtores situados nas regiões Nordeste e Noroeste do país - as mais pobres e distantes das zonas portuárias.

Também foi anunciada a reabertura das exportações de trigo e um programa de incentivos à produção de leite; uma nova linha de financiamento com prazo de 5 anos e juros de 6% ao ano e a criação de uma subsecretaria especial voltada aos pequenos e médios produtores. Segundo Lousteau, a compensação às retenções vai atingir 62,5 mil produtores, que representam 80% do total de produtores de soja e girassol, mas respondem por apenas 20% da produção.

As medidas foram recebidas com ceticismo e desagrado pelas lideranças agropecuárias.

Eduardo Buzzi, presidente da Federação Agrária Argentina, disse que faltou "generosidade" por parte do governo e que, com a manutenção das retenções, "não se modificou na essência o motivo do conflito". Decepcionados com o pacote, os agricultores prometem continuar a paralisação até quarta-feira, quando haverá uma assembléia geral para discutir o assunto.

O pacote era esperado desde a frustrada reunião de sexta-feira de ministros com os representantes das entidades que organizaram a manifestação dos agricultores. Com a perspectiva de anúncio de medidas, o movimento já estava se diluindo nesta segunda-feira, com várias estradas sendo aos poucos liberadas ao tráfego. Havia, entretanto, alguns focos de resistência, como os produtores da província de Entre Ríos que colocavam o fim do sistema de retenções como única condição para que suspendessem o protesto.

Em assembléia na noite de domingo, eles decidiram parar os caminhões brasileiros e uruguaios que entram na Argentina pela Rodovia do Mercosul. Mas foram impedidos por um batalhão da polícia que foi enviado à fronteira com o Uruguai para garantir a passagem de caminhões estrangeiros. Em outros pontos da região, no entanto, o tráfego seguia impedido.

Em um discurso na Casa Rosada, após o anúncio das medidas, a presidente Cristina Fernández de Kirchner negou que as retenções vão causar prejuízo aos produtores. "Mesmo sem a compensação que estamos anunciando, a atividade rural é rentável." Ela fez um apelo aos produtores para que liberem as estradas, ainda que queiram continuar com seus protestos: "Por favor deixem transitar os caminhões". E completou: "Pensem como parte e não como proprietários do país".

Ao enfrentar os produtores agrícolas em sua principal reivindicação, o governo contava também com a pressa deles em uma solução para que pudessem retomar a produção, sob o risco de arcarem com elevados prejuízos.

Segundo um acompanhamento mensal da Bolsa de Cereais, a paralisação dos produtores está atrasando a colheita da soja, cuja produção estimada para a safra deste ano é de 47 milhões de toneladas.

De acordo com a Bolsa, até 28 de março apenas 790 mil hectares (ou 4,7% da área cultivada) tinham sido colhidos. Neste mesmo período no ano passado, 1,68 milhão de hectares estavam colhidos. "A demora implica riscos que podem afetar o rendimento e a qualidade", alertam os analistas da Bolsa de Cereais responsáveis pelo relatório.