Título: Turbulência à vista
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 01/04/2008, EU & Investimentos, p. D1

Uma verdadeira montanha-russa. Assim pode ser definido o comportamento da bolsa no primeiro trimestre do ano, com o Ibovespa em queda de 6,88% em janeiro, alta de 6,72% em fevereiro e desvalorização de 3,97% em março, o que resulta em uma perda acumulada de 4,57% no ano. A notícia ruim é que essa forte volatilidade observada nos últimos meses tem tudo para continuar. A bolsa brasileira deve seguir oscilando, à mercê dos dados da economia americana e de quão profunda se mostrará a crise naquele país.

Para piorar o cenário para bolsa, o mercado local aposta em uma alta da taxa básica de juro (Selic), hoje em 11,25% ao ano, na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), a fim de conter as pressões inflacionárias - o IGP-M acumula alta de 2,38% no ano. O comitê se reunirá entre os dias 15 e 16 deste mês. Diante de tanta incerteza na renda variável e na renda fixa, o ouro vem se mostrando o refúgio de muitos investidores, tanto que a commodity, que encerrou março com leve queda de 0,96%, mas acumula alta de 6,40% no ano.

Março foi bastante ruim para os ativos brasileiros em geral, mas quando comparamos a bolsa brasileira com as asiáticas, vemos que por aqui a queda foi menor, diz Roberto Kropp, diretor da Daycoval Asset Management. "A bolsa brasileira é muito concentrada em commodities, cujos preços têm conseguido segurar um pouco a queda", lembra. No mês passado, principalmente nas duas últimas semanas, as commodities passaram por uma correção de preços. "Houve no início do ano uma certa especulação em torno das matérias-primas, que foram vistas como uma forma de proteção contra a crise americana", diz Kropp. "A queda de preços dos últimos dias foi importante para reduzir um pouco essa especulação."

Ajudando a manter o cenário sombrio, os bancos americanos começarão a divulgar seus balanços do tumultuado primeiro trimestre deste ano neste mês. Isso pode significar novas perdas nos resultados, trazendo mais volatilidade, lembra Ricardo Junqueira, sócio da Ático Asset Management. "O Fed, banco central americano, sabe que quanto mais essa situação de perdas dos bancos se prolongar, pior", diz. "Por isso, está pressionando os bancos a mostrarem logo o quanto perderam efetivamente."

Para o investidor com visão de longo prazo, entretanto, as quedas trouxeram oportunidades por aqui. As ações das empresas do setor de construção civil são um exemplo, diz Roberto Knoepfelmacher, analista-chefe da GAS Investimentos. A expectativa de aumento da taxa de juro fez com que esses papéis sofressem bastante, mas ainda não é observada uma redução no apetite dos bancos em financiar imóveis, nem no das pessoas por esses créditos, diz.

Mesmo assim, a recomendação é de que o investidor aprecie a bolsa com moderação, já que os papéis poderão cair ainda mais, alerta Rodrigo Bresser-Pereira, sócio da Bresser Asset Management. Além do imobiliário, os segmentos de consumo e bancos também registraram fortes quedas por conta da expectativa de juros maiores. O cenário externo requer cautela e há muita coisa ainda para ser considerada nos preços, avalia.

Mesmo assim, as ações da Vale aparecem como oportunidade, dizem os analistas, que viram com bons olhos o anúncio de que a mineradora encerrou as negociações com a anglo-suíça Xstrata e não elevará seu endividamento. Segundo Knoepfelmacher, da GAS, os múltiplos - índices que mostram se a ação de uma empresa está cara ou barata - da Vale estão bastante descontados, o que traz perspectivas favoráveis para os papéis no longo prazo.

As carteiras formadas apenas por ações da Vale também não escaparam da montanha-russa que marcou o trimestre. Para se ter idéia, esses fundos registraram perdas médias de 14,83% em janeiro, subiram 16,98% em fevereiro, mas voltaram a perder em março, com desvalorização de 0,21%. Com isso, no acumulado do ano, essas carteiras perdem 0,59%. Os números não levam em conta, entretanto, a alta das ações ordinárias de 1,66% entre os dias 27 e 31.

Já os fundos compostos só por papéis da Petrobras fecharam março com o pior desempenho entre as aplicações financeiras, com queda de 9,37%, até dia 26. No ano, essas carteiras amargam perdas de 13,21% também até dia 26. Os números não levam em conta, entretanto, a queda das ações ON, de 0,92%, entre os dias 27 e 31.

A perda da moeda americana ante outras divisas fez com que o euro, em reais, apresentasse valorização de 7,97% em março e, no ano, alta de 5,83%. Mesmo o dólar, que vinha apresentando queda nos primeiros meses do ano, registrou alta de 3,67% em março. No ano, entretanto, a moeda americana ainda tem queda de 1,35%. "A tese de descolamento do mercado brasileiro ante outros mercados foi colocado em xeque e isso trouxe alta para o dólar", diz Kropp, da Daycoval Asset. Além disso, lembra o executivo, contribuíram para a valorização o aumento das importações e a medida do Ministério da Fazenda, que colocou IOF sobre as aplicações de renda fixa de estrangeiros e também liberou exportadores da o obrigação de transformar os dólares em reais.

Com a deterioração do cenário de inflação local e a possível alta dos juros, até mesmo alguns fundos de renda fixa encerraram março com perdas. As quedas foram piores em carteiras que tinham uma concentração maior de títulos prefixados. Isso porque o mercado passou a considerar como certa a elevação da Selic em abril e as taxas subiram. Os papéis antigos, com taxas mais baixas, perderam valor. Em média, os renda fixa renderam 0,59% bruto em março, até dia 26, abaixo do retorno dos fundos DI - vistos como porto seguro -, com ganho de 0,71%. A caderneta rendeu 0,54%.