Título: Governo estuda medidas de comércio exterior
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 04/04/2008, Brasil, p. A3

Guido Mantega, ministro da Fazenda: "Meta de câmbio é um disparate" O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse ontem que o governo prepara um Programa de Aceleração das Exportações (PAE), que terá como ponto de partida a nova política industrial, mas não se restringirá a ela. Mantega negou, em conversa com o Valor, ontem, que esteja nas considerações da área econômica uma mudança do regime de taxa de câmbio flutuante em direção a um regime de metas para câmbio. "Isso é um total disparate. Nós não fizemos essa proposta, que conflita com o regime de metas para a inflação, que é um sistema muito bom, muito eficiente, que está funcionando no Brasil e estamos conseguindo cumprir as metas." A seguir, as principais considerações do ministro:

Valor: O governo pensa adotar um sistema de metas para a taxa de câmbio?

Guido Mantega: Essas idéias que estão circulando, de que nós estaríamos pensando em adotar um regime de metas para o câmbio, são totalmente equivocadas. Estou lhe dizendo que é um total disparate. Nós não fizemos essa proposta e ela conflita com o regime de metas para a inflação, que é um sistema bem-sucedido. Não há nenhuma razão para substituí-lo. O sistema que nós adotamos é o de metas de inflação com câmbio flutuante. Adotar o sistema de meta cambial é renunciar ao câmbio flutuante, que dá um bom resultado para o país. O Brasil já adotou um sistema de câmbio fixo, que é praticamente a mesma coisa que ter meta, e foi um total fracasso nos anos 90. Então, não há nenhum sentido, nenhuma intenção, nenhuma proposta, muito menos feita pelo Ministério da Fazenda, de adotar o sistema de meta cambial. Não se muda o que está dando resultado.

Valor: O sr. admite a possibilidade de, mantendo o câmbio flutuante, operar com um piso?

Mantega: Não tem piso, não tem teto. É cambio flutuante. Se tiver piso ou teto dá na mesma, é sistema de meta. Ou é um ou outro. Em relação ao câmbio, o que fizemos nos últimos anos foram algumas medidas para atenuar as valorizações excessivas, como, por exemplo comprar mais reservas, reduzir a rentabilidade com a introdução do IOF na entrada de capitais externos, que é uma medida bastante moderada. Mas fora isso sou partidário do câmbio flutuante. O câmbio flutuante é uma defesa da economia, evita, por exemplo, um ataque cambial especulativo. Há uma série de vantagens em relação ao câmbio fixo ou coisa parecida. Num sistema de metas de câmbio você vai botar o sistema financeiro para testar. Mudar seria ruim, seria negativo, seria mudar um sistema que está funcionando por outro que é uma aventura. Não temos essa proposta.

Valor: Não dá para o câmbio ser flutuante até determinado piso?

Mantega: Não. Não dá. O que você pode é preocupar-se com a valorização excessiva, atenuar isso, coisa que temos feito nos últimos dois a três anos.

Valor: Operar com um piso, ainda que informal, demandaria ter juros internos alinhados com os juros externos, que não temos?

Mantega: Os juros aqui têm a função de controlar a inflação. Você não pode olhar para as duas coisas. O Banco Central só pode olhar para a inflação e cumprir as metas de inflação. O BC, quando toma decisão sobre juros, não pode se preocupar se isso vai valorizar ou desvalorizar o câmbio. A decisão tem que ser pautada pela inflação, se vai manter a inflação no rumo ou não, e o impacto que houver no cambio não é problema dele.

Valor: O sr. mencionou recentemente preferência pelo modelo asiático, que é fortemente exportador. Para essa opção não seria necessário ter um câmbio mais competitivo?

Mantega: A nossa opção é pelo modelo asiático no sentido de manter permanentemente o estímulo à ampliação do comércio exterior. Isso não significa que vamos usar os mesmos instrumentos dos países asiáticos. Não podemos usar o que é usado na China, uma política de cambio quase fixo, porque a China tem uma economia diferente da nossa, e tem cacife para bancar, porque eles têm US$ 1,5 trilhão de reservas. Nossa opção é pela estratégia asiática, no sentido de estimular o setor exportador, e acho que agora é preciso um novo impulso nesse sentido. Nós cumprimos uma primeira etapa com resultado a contento, demos uma virada de 2003 para cá, e agora está na hora de dar novo impulso, fazer um programa de aceleração das exportações.

Valor: E um programa de aceleração das exportações prescindiria de qualquer mexida na área cambial?

Mantega: Nós fizemos, há três semanas, a medida do IOF.

Valor: Ministro, há excesso de demanda suficiente para preocupar o governo?

Mantega: Demanda aquecida é motivo de satisfação, de contentamento. Você tem que ficar triste quando não tem demanda, porque ai a economia não cresce. Outra pergunta é se essa demanda é saudável, se é criada artificialmente, ou se ela vem do aumento do emprego, da massa salarial, da renda. A demanda é uma consequência do investimento, do consumo, e da demanda do governo. No nosso caso, tenho verificado, olhando com microscópio vários setores da economia , que estamos respondendo à altura dos desafios colocados pela demanda. A economia brasileira está aumentando a oferta e não está aumentando os preços. Os preços aumentaram na área dos alimentos, nas commodities, e muito pouco em serviços. Em 2007, os alimentos subiram 10%, liderados pelo feijão, o leite. Estamos inclusive vendo medidas para aumentar a oferta desses produtos. O setor de automóveis está vendendo mais, atendendo à demanda e subindo preços menos do que a média inflacionária.

Valor: O excesso de demanda bate, inevitavelmente, no déficit em conta corrente do balanço de pagamentos...

Mantega: Nos dizíamos que uma maneira de atenuar a valorização da taxa de câmbio é aumentar as importações e ter um superávit comercial menor. Isso tem que ir até certo ponto. Não é desejável que se caminhe para um saldo comercial apertado ou um déficit em transações correntes grande. Isso não é desejável e não permitiremos. Por isso a necessidade de fazermos o programa de aceleração das exportações que estamos preparando.