Título: Autonomia é para financiamento privado
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 04/04/2008, Opinião, p. A18

O debate em torno da lei que institucionaliza as centrais sindicais e sobre o veto imposto pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva à determinação de que as contas das entidades sejam fiscalizadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) padece de um vício de origem. O princípio da autonomia sindical, que teria norteado o veto presidencial, foi desrespeitado, na verdade, no momento em que o Legislativo cedeu à pressão dos sindicalistas e das entidades patronais e manteve a contribuição patronal e o imposto sindical. O recolhimento compulsório de um dia de trabalho de todo trabalhador com carteira assinada, que é destinado ao sindicato de sua categoria e será agora repartido com as cinco centrais existentes, rende anualmente R$ 1,2 bilhão. Deste, R$ 100 milhões ficarão com as centrais.

O imposto sindical foi alvo do "novo sindicalismo" dos anos 80. A obrigatoriedade da contribuição era vista, pela geração sindical da qual o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez parte, como o grande financiador de sindicalistas "pelegos" - aqueles montados em poderosas máquinas sindicais que usavam o dinheiro farto para se manter no comando (e até para enriquecimento pessoal) em troca do atrelamento do sindicato ao Ministério do Trabalho (com o agravante de que, na época, o país vivia uma ditadura militar). A Central Única dos Trabalhadores (CUT), nascida da luta sindical contra o peleguismo e o controle dos sindicatos pelo Estado, assumiu a bandeira do fim do imposto sindical como parte indivisível da luta pela autonomia sindical.

Conceitualmente, o imposto sindical é um tributo, já que se configura como "prestação compulsória (...) instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa". Como beneficiários de impostos, as entidades sindicais (de trabalhadores e patronais) passam a ser entidades de direito público - e, com essa natureza, estão obrigadas a prestar contas não apenas aos seus associados, mas à sociedade como um todo, por meio de um órgão público, seja ele o Ministério do Trabalho ou o TCU. Quando o novo sindicalismo, que agora é velho, pregava o fim do imposto, pretendia tornar os sindicatos entidades de direito privado, sem vínculos com o Estado e com maior comprometimento com sua base - sem a facilidade da contribuição obrigatória, imaginava-se, as entidades atrairiam sindicalizados e contribuições apenas se representassem efetivamente a categoria.

As centrais voltaram a discutir, de fato, o fim do imposto, durante a tramitação do projeto que também as legalizou. Sob o pretexto de que a lei proposta acabava com o imposto sindical, mas mantinha a contribuição patronal obrigatória - o que desequilibraria a balança em favor dos empregadores -, definiu-se que ambos seriam mantidos até o envio, pelo governo, de uma nova lei, extinguindo-os.

A forma como foi promulgada a lei, no entanto, não autoriza grandes otimismos em relação à verdadeira autonomia. Aventa-se uma "nova contribuição", que seria a soma do imposto e da contribuição assistencial. Se essa junção tornar imposto e contribuição obrigatórios, será um passo atrás em relação à autonomia. As centrais defendem também uma "contribuição negocial", isto é, o recolhimento do dia de trabalho de toda uma categoria desde que previsto no acordo coletivo autorizado por assembléia de trabalhadores. Ainda assim, a legitimidade desse recolhimento é relativa. Associados do sindicato, neste caso, estarão definindo a contribuição obrigatória de não associados, que será descontada em folha pelas empresas. A representatividade da entidade, no entanto, será maior se, financiada apenas por associados, estiver obrigada a uma atuação efetiva para atrair a si trabalhadores.

A moral da história da autonomia sindical é esta: entidade que se financia com dinheiro público deve explicações ao contribuinte e tem que ser fiscalizada; sindicato financiado pela contribuição voluntária de seus associados presta contas aos sindicalizados - que, em última instância, em caso de abusos por parte dos dirigentes, podem ainda apelar à Justiça pelos seus direitos. Como disse Lula, ao justificar o seu veto, "o trabalhador deve ser capaz de fiscalizar o seu próprio sindicato". Com um adendo, contudo: desde que o sindicato seja financiado pelos seus associados.