Título: Economizar energia vira desafio em TI
Autor: B2
Fonte: Valor Econômico, 04/04/2008, Empresas, p. B2

A 35 minutos de carro ao sul da capital islandesa Reykjavic repousa a pequena vila de pescadores de Grindavik. Em certo dia de janeiro, Kristinn Haflioason dirige por alguns minutos até sair da cidade e chegar a uma grande extensão de rocha vulcânica, coberta de neve, que avança sobre o Oceano Atlântico. Ao subir ao local, ele inicia um extraordinário discurso de vendedor que espera ser suficiente para persuadir companhias dos Estados Unidos e do resto da Europa a trazerem suas operações para o lugar. "Dezenas de empresas mostraram interesse", diz.

Não é piada. Haflioason trabalha na agência governamental "Invista na Islândia". Ele escolheu o ponto desolado nas redondezas de Grindavik como um local para os centros de dados, as grandes instalações repletas de computadores que as empresas de tecnologia erigem para lidar com os cada vez maiores oceanos de informação digital.

O fato de Google, Yahoo e Microsoft terem checado este remoto canto do mundo serve para dar uma idéia dos desafios enfrentados pelas empresas para operar centros de dados, embora nenhuma tenha se comprometido a nada até agora. O motivo: a Islândia tem a rara combinação de terra desocupada, energia geotérmica barata e de um clima de arrepiar, que tornaria o resfriamento de um centro de dados quase gratuito.

A indústria de tecnologia depara-se com uma crise de energia. O custo com o consumo de eletricidade dos centros de dados dobrou entre 2000 e 2006 nos Estados Unidos, para US$ 4,5 bilhões, e pode dobrar de novo até 2011, segundo estimativas do governo americano. Com os preços da energia nas alturas, o desafio de alimentar e esfriar esses "utilitários-esportivos" do mundo tecnológico tornou-se um dos principais problemas a ser resolvido por empresas e concessionárias públicas. "A economia digital é extensa", diz Andy Karsner, secretário-assistente do Departamento de Energia dos EUA para questões de eficiência energética. "A demanda para computação crescerá exponencialmente, mas o consumo elétrico não pode crescer da mesma forma."

A corrida por soluções criativas já começou. Empresas esquadrinham o globo em busca de novas tecnologias e locais privilegiados. A Islândia poderia ter o clima ideal; a Arábia Saudita, os menores custos de energia. Cada empresa do setor procura espremer as despesas, na esperança de tornar-se uma produtora de baixo custo na era digital.

De onde virão as inovações? Todas as concessionárias de serviços públicos, empresas de construção e grupos de tecnologia trabalham na questão. Bruno Michel, pesquisador da IBM em Zurique (Suíça), desenvolve formas para que a biologia do corpo humano possa ser imitada em sistemas de resfriamento de computadores. Mark Bramfitt, gerente de programa da concessionária americana Pacific Gas & Electric (PG&E) experimenta oferecer incentivos para restringir o uso geral de energia. Apenas alguns poucos watts por computador já ajudariam. Um centro de dados eficiente usa cerca de 25% menos eletricidade que um normal. Em uma instalação padrão de médio porte isso representa US$ 4,5 milhões em economia anual.

O centro de dados moderno é como um amplo refrigerador com centenas ou milhares de fogões acesos no interior. Estantes de metal com quase dois metros de altura recheados de computadores do tamanho de caixas de pizza, aparelhos de armazenamento e roteadores de redes alinham-se em fileiras. Ar refrigerado flui sobre os equipamentos a partir de aberturas nos pisos dos "corredores refrigerados". O ar quente sai pela parte posterior das máquinas e flui para os corredores "quentes", sendo sugado e expelido para fora das instalações. Dentro dos centros, ouve-se o rugido maçante de grandes volumes de ar passando pelos dutos, aberturas e computadores.

A competição entre as empresas de tecnologia para reduzir os custos de processamento de dados é tão intensa que algumas tratam como segredo de Estado a maneira como usam a energia. Quando o Google construiu um centro de dados ao longo do rio Columbia, no Oregon, há cinco anos, comprou o terreno por meio de um terceiro, de forma que seu envolvimento ficasse sigiloso. O prefeito teve de assinar um acordo de confidencialidade. Na Carolina do Norte, as leis de transparência do Estado obrigaram o governo a divulgar o pacote de incentivos oferecido ao Google para instalar um centro de dados, mas os planos de consumo de energia da empresa foram redigidos como segredos comerciais. Não é de se estranhar. Talvez, no futuro, a competição entre Google e Microsoft no mercado de buscas na internet possa ser decidida tanto pela eficiência energética dos centros de dados, quanto pela empresa que conseguir desenvolver o melhor algoritmo de busca.

Pense nos centros de dados como a "fábrica" da economia da informação. A cada dia, em milhares de instalações que passam despercebidas, em áreas remotas ou nos porões de torres de edifícios, trilhões de blocos de informação, codificados em "uns" e "zeros" são deslocados, armazenados e agrupados em novos formatos. Esses blocos incluem milhões de e-mails, páginas de sites como Facebook, recados em blogs e vídeos como os do YouTube; imensas quantidades de transações eletrônicas; e mais um universo em expansão de dados que precisam ser armazenados, cortados, fatiados e analisados. A consultoria IDC, especializada no setor de tecnologia, estima que, a cada ano, o mundo digital crie cerca de 3 milhões de vezes a informação contida em todos os livros já escritos.

As pessoas normalmente não pensam na informação como algo que possui substância, mas a essência da computação é física. Quando bits de dados na forma de diminutas cargas elétricas movem-se por fios e circuitos integrados feitos de semicondutores, com milhões de transistores ligando-se e desligando-se, encontram resistência. Superar essa resistência exige energia e cria calor. (Quando se movimentam muito rapidamente os chips não pegam fogo, mas racham como o bloco do motor de um carro superaquecido.) Movimente muitos bits e você terá uma conta imensa para alimentar e resfriar o equipamento: os US$ 4,5 bilhões gastos nos EUA em 2006 equivalem às contas de eletricidade de 5,8 milhões de residências no país.

O consumo de energia dos centros de dados emergiu como um problema relevante nos últimos dois anos. De acordo com pesquisa feita em janeiro pela Associação de Gerentes de Centros de Dados (Afcom, na sigla em inglês), 88,5% dos consultados descreveram o consumo de energia como uma preocupação séria ou muito séria, em comparação com os 36,1% verificados há cinco anos. Começa a perceber-se o "custo de toda essa energia", diz Sal Cefalu, vice-presidente da unidade de centro de dados da operadora de telecomunicações Verizon, gigante com 18 centros de dados nos EUA. Atualmente, para cada dólar gasto em equipamentos de computação de centros de dados, gastam-se outros US$ 0,50 anuais para alimentá-los e resfriá-los. Cerca de metade da energia é consumida por aparelhos de ar-condicionado.

Há três anos, a Microsoft começou a abordar seriamente a questão da energia. O executivo-chefe da empresa, Steve Ballmer, e outros altos executivos decidiram promover uma grande ampliação dos serviços oferecidos por meio da internet para pessoas e empresas, incluindo e-mails e mensagens instantâneas, para responder à ameaça representada pelo Google. Para fazer uma projeção das necessidades dos centros de dados, um grupo de cerca de 20 pessoas foi reunido em Salish Lodge, Washington, em um local com vista para uma cachoeira. "Decidimos pelo plano mais maluco e agressivo que pudemos pensar", conta Michael Manos, diretor sênior de serviços de centros de dados da empresa. "Analisando em retrospectiva, fomos conservadores."

-------------------------------------------------------------------------------- Em busca de soluções, IBM desenvolve sistema de resfriamento de computadores capaz de copiar biologia humana --------------------------------------------------------------------------------

Desde então, a Microsoft gastou mais de US$ 2 bilhões para construir quatro instalações gigantescas em Chicago, Dublin, San Antonio e Quincy, no Estado de Washington. Agora, procura locais no exterior, incluindo Islândia e Sibéria. As necessidades da companhia duplicaram em cada um dos últimos três anos e a Microsoft prevê que o ritmo continuará igual no futuro próximo.

O consumo de energia é fator crucial no planejamento da Microsoft. A empresa criou o que chama de "mapa do calor" no mundo, que leva em conta 35 fatores para a seleção dos locais de suas instalações, incluindo custos e disponibilidade de energia elétrica. Um grupo de cientistas estuda os avanços mais recentes em projetos de centros de dados e eficiência em computação. Manos também se preocupa em buscar recursos locais que possa aproveitar, como um sistema de reaproveitamento de água, para resfriar os computadores no novo centro de dados em San Antonio. Como resultado desses esforços, Manos acredita que seus 20 centros de dados são entre 30% e 50% mais eficientes que a média do setor.

As soluções para a crise de energia não aparecem com facilidade. A construção dos maiores centros de dados podem custar mais de US$ 200 milhões e sua atualização para receber as tecnologias mais recentes de economia de energia é dispendiosa.

Há, porém, vários reparos relativamente rápidos. A maioria dos servidores - os computadores que ficam armazenados nos centros de dados - usa apenas 10% de sua capacidade em determinados momentos. Por isso, os operadores de centros de dados usam programas que distribuem as tarefas de computação entre servidores para aproveitar mais de suas capacidades. Novos sistemas de gestão de energia desligam de forma automática os servidores e outros equipamentos quando fora de uso. E a maioria das fabricantes de computadores aderiu à religião "verde". Essas empresas sustentam que seus novos equipamentos são ultra-eficientes em termos de consumo de energia.

O problema é que não há parâmetros com ampla aceitação para comparar um servidor com outro e mostrar qual é mais "verde". Não há algo equivalente a uma medida "quilômetros por litro" para servidores ou centros de dados. A Agência de Proteção Ambiental e o Departamento de Energia dos EUA trabalham com grupos setoriais para criar referências.

Embora ainda seja necessário mais progresso, houve grandes avanços na conservação de energia pelos centros de dados. Em cada caso, as inovações foram resultado de cientistas que questionaram noções predominantes em seus setores.

Tome-se o caso dos próprios circuitos integrados. Há dez anos, a indústria de chips tinha um único foco: fazê-los processar bits e bytes com velocidade cada vez maior. Marc Tremblay, um dos principais cientistas da Sun Microsystems, no entanto, viu uma falha crítica na estratégia. Quanto mais velozes os chips, mais calor é gerado, o que cria o risco de que eles fiquem quentes demais para funcionar bem. Tremblay projetou, então, o chamado chip multinúcleo, no qual há vários processadores em uma única peça de silício. Cada núcleo funciona de maneira mais lenta e fria que o microprocessador que faz o mesmo trabalho com apenas um núcleo.

Dada a complexidade da indústria de semicondutores, levou quase dez anos para que a inovação de Tremblay chegasse ao mercado. Desde que começaram a ser vendidos, há dois anos, os servidores da Sun baseados nos projetos de Tremblay ajudaram a empresa a recuperar-se e reduziram drasticamente o consumo de energia. Cada circuito integrado desses servidores consome apenas 70 watts de energia, cerca de 30% do verificado em microprocessadores convencionais.

Até as empresas de eletricidade, tradicionalmente lentas, estão mostrando sinais surpreendentes de mudanças. É o caso da PG&E. Há dois anos, depois de Mark Bramfitt ter recebido a tarefa de criar incentivos para que as empresas de tecnologia no norte da Califórnia economizassem energia, ele apareceu com uma solução criativa. Decidiu oferecer incentivos financeiros para as empresas que decidissem usar o que os chamados softwares de virtualização. Sem o programa, cada servidor normalmente lida com um programa de cada vez, usando apenas uma fração de sua capacidade. Com o software, vários programas podem rodar em um único computador.

Como resultado, é possível agrupar mais programas em cada servidor, consumindo menos energia e reduzindo o número de computadores. Pelo programa de incentivos de Bramfitt, a PG&E paga aos clientes a cada kilowatt-hora de energia que economizam, usando o software.

O programa de Bramfitt é um modelo de negócios inovador, mas a maior parte da economia de energia dos centros de dados provavelmente será encontrada em avanços tecnológicos. Michel, o pesquisador da IBM, foca-se em um território pouco explorado, no qual biologia e física se misturam. Com doutorado em bioquímica pela Universidade de Zurique, ele desenvolve aparelhos que espera, um dia, servir para resfriar os chips, a partir de um sistema baseado no corpo humano. Enquanto os processadores de servidores normalmente são resfriados com ar, a temperatura destes chips é controlada com um líquido transportado por meio de um sistema similar ao dos vasos capilares. Uma das invenções de Michel é uma cobertura de metal sobre o processador que esguicha jatos de água por 50 mil bocais para dentro de canais microscópicos inseridos no metal.

Embora tenham surgido melhoras substanciais, serão necessárias mais inovações em todos os campos, das empresas de tecnologia às de serviços públicos. Instalar centros de dados na Islândia ou Sibéria poderia ajudar, mas apenas isso não será suficiente para solucionar a crise de energia do setor tecnológico. (Tradução de Sabino Ahumada)